quinta-feira, 22 de abril de 2010

Estuda, tchê: Tradicionalismo

Tradição, um culto, e Nativismo, um sentimento, existem em todo mundo. Agora, Tradicionalismo só existe no Rio Grande do Sul. Tradição e Nativismo podem andar com uma única pessoa. Existem no singular. Tradicionalismo, não: é obrigatoriamente associativo, coletivo. Tradicionalismo é um movimento cívico-cultural. É a Tradição em marcha, resgatando valores que são válidos não por serem antigos, mas por serem eternos, exatamente os valores que trouxeram o Rio Grande e o gaúcho do passado para o presente, projetando-os no futuro.

Desde o século passado, a fundação de entidades tradicionalistas aponta para a tentativa de organizar a Tradição como Movimento. Em 1857 funda-se na Corte do Império brasileiro (Rio de Janeiro) a Sociedade Sul-Riograndense, de cunho tradicionalista. Entre seus fundadores, Pereira Coruja, autor da primeira pesquisa de folclore feita no RS. Os demais eram homens ricos, intelectuais, jornalistas, que fugiam das guerras que lavravam episodicamente no sul. A Sociedade Sul-Riograndense existe até hoje, é muito rica e tem inclusive, um CTG, o “Desgarrados do Pago”, com sede social e campeira, onde realiza até rodeios crioulos.

No Uruguai em 1894, poetas e outros artistas e intelectuais platinos fundam a Sociedad La Criolla, oficialmente para o culto das tradições gauchescas, mas na realidade para combater a invasão dos “gringos”, dos descendentes de italianos, que arrancavam para o campo uruguaio com muita força. 

No RS, a 22 de maio de 1898, o Major João Cezimbra Jacques, do Exército brasileiro, gaúcho de Santa Maria, inspirado na Sociedad La Criolla, funda em Porto Alegre o Grêmio Gaúcho, para unir os rio-grandenses desunidos pela sangrenta Revolução de 93, que se prolongara até 1895. O Major Cezimbra Jacques, que é hoje o Patrono do Tradicionalismo Gaúcho, tentou efetivamente deflagrar um movimento tradicionalista, incentivando a fundação de sociedades congêneres nas demais cidades gaúchas. Em Pelotas, funda-se a 10 de setembro de 1899 a União gaúcha, que teve em suas lideranças nada menos que o grande escritor João Simôes Lopes Neto. Em Bagé, seis dias mais tarde (16 de setembro de 1899) funda-se o Centro Gaúcho. Chega o século XX e a 12 de outubro de 1901 funda-se em Santa Maria o Grêmio Gaúcho, claramente atendendo ao chamamento de Cezimbra Jacques, cria da terra. 

E aí, tudo parou. Cezimbra Jacques é transferido para o Rio de Janeiro, onde morre, alguns anos mais tarde, sem voltar aos pagos. A União Gaúcha ainda resiste vários anos, mas termina paralisando suas atividades. Do Centro Gaúcho, de Bagé e do Grêmio Gaúcho de Santa Maria, pouco se falou, depois da festa de fundação. Desapareceram sem maiores consequências. O próprio Grêmio Gaúcho de Porto Alegre termina abandonando sua missão pioneira e, apesar do vasto patrimônio em imóveis que ainda hoje tem, agora é apenas uma associação urbana, fechada, na mão e poucos, que há de ser mais cedo ou mais tarde desapropriado em função do seu valor histórico. 

Passam-se anos e, décadas mais tarde, a Alemanha nazista se levanta das cinzas da I Grande Guerra e começa a atrair as simpatias dos descendentes de alemães, em todo o mundo. No Rio Grande do Sul, claro, a propaganda hitlerista foi intensa. Então, a 31 de janeiro de 1938, um grupo de moços que falavam o português com forte sotaque teuto-riograndense, fundou em Lomba Grande a Sociedade Gaúcha Lomba-grandense, para testemunhar o seu amor pelo Rio Grande e pelo Brasil. Essa entidade existe até hoje, é forte, rica e respeitada. Seus fundadores, a princípio, foram hostilizados, chamados de “clube de alfafa”, mas resistiram a tudo. Não eram alemães, não queriam ser nazistas. Eram gaúchos e brasileiros e provaram isso com muita coragem e com muito amor. A 19 de outubro de 1943, em plena II Guerra Mundial e no meio de uma comunidade de descendentes alemães, um gaúcho admirável, sonhador e visionário, liderou a fundação do Clube Farroupilha voltado exclusivamente para o culto das tradições gauchescas. Ele era o Capitão Laureano Medeiros e a cidade cenário desse acontecimento histórico e também pioneiro é Ijuí. O Clube Farroupilha, aliás, continua até hoje, sem interrupções, com sua bela atividade tradicionalista.

Esses foram os esforços feitos antes que o Movimento Tradicionalista se tornasse uma realidade.
O Ditador Getúliio Vargas, em 1937, tinha proibido no Brasil o uso dos símbolos estaduais: o hino, a bandeira, o brasão. Com o fim da guerra, em 1945, Vargas foi derrubado e com a volta da democracia os símbolos estaduais gaúchos tornavam a aparecer.

Em 1947 um moço, nascido em Livramento, chamado João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes, estudante do  Colégio Estadual “Júlio de Castilhos” viu um pano colorido, já desbotado, rasgado e sujo, servindo de cortina para um bar de quinta categoria. Desconfiado, puxou de uma ponta: era a sagrada bandeira do Rio Grande do Sul! Dizem que esta foi a única vez que Paixão Côrtes chorou.

Então, como o governo do Estado ia trazer de Livramento os restos mortais do grande herói farroupilha Davis Canabarro, ele conseguiu reunir mais sete companheiros, cavalos e arreios e assim, bem pilchados e de-a-cavalo oito rapazes deram escolta gauchesca de honra aos gloriosos despojos. Na Praça da Alfândega, onde fizeram um alto para a cerimônia, aproximou-se deles um guri tímido, tipo precoce: Luiz Carlos Barbosa Lessa, de Piratini, por cioncidência também estudante do “Julinho”. Logo depois, no mesmo lugar, outro moço, já mais velho, de óculos e poeta conhecido: Glaucos Saraiva. Assim se reuniu, meio por acaso, a Santíssima Trindade do Tradicionalismo Gaúcho: Paixão, o dínamo propulsor. Lessa, o estudioso, o teórico. Glaucus, o organizador, o disciplinador. Poucos dias depois, sempre por iniciativa de paixão, realizou-se no Colégio “Júlio de Castilhos” a primeira Ronda Crioula do Tradicionalismo. E a mais longa de todas: durou 12 dias, desde que um piquete de cinco cavalarianos recolheu no Altar da Pátria, na hora da extinção, a zero hora de 8 de setembro de 1947, uma “mudinha” da chama simbólica. Em rápida galopeada, queimando as mãos, os cinco levaram essa chama para inflamar o Candeeiro Crioulo armado no “Julinho”, onde ardeu até 20 de setembro, o Dia do Gaúcho data magna do Rio Grande do Sul.

Durante essa primeira Ronda Crioula houve festa com música, poesia, fandango, concursos e discursos. Verificando assim o enorme êxito, no que ajudou o convite que os rapazes fizeram a homens maduros, como Manoelito de Ornellas, Amândio Bicca r Valdomiro Souza, os moços resolveram fundar uma entidade permanente para a defesa das tradições gauchescas. Agora sim, o gaúcho, seus usos e costumes estão ameaçados. A forte propaganda americana mete goela abaixo da juventude de nossa terra, com as Seleções, as revistas em quadrinhos e o cinema, o “cow-boy” e toda uma gama de heróis norte-americanos, e por trás disso tudo se vão as ricas divisas acumuladas pelo Brasil durante o conflito e vem o plástico, o uísque, a coca-cola e o chiclé, além de armas e veículos de guerra que estão sobrando nos Estados Unidos.

A nova entidade que os rapazes sonham fundar seria um clube exclusivamente masculino, só com 35 sócios (para evocar o ano que começou o Decênio Heróico) e a sede seria um rancho no Parque da Redenção. Mas aí as férias escolares interromperam os planos. Reencontram-se todos com o começo das aulas, em 1948 e a 24 de abril, no amplo e sólido porão do solar da família Simch, na rua Duque de Caxias (ainda existe um moderno edifício no lugar) funda-se depois d muita discussão, o “35” - Centro de Tradições Gaúchas, nome proposto por Barbosa Lessa. Flávio Ramos propõe o lema: “Em qualquer chão, sempre gaúcho!”. Guido Mondim desenha o símbolo: o número 35 atravessado por uma lança de cavalaria. Glaucus Saraiva imagina toda uma nomenclatura campeira para os cargos de diretoria e repartições do novo centro e é eleito o seu primeiro Patrão.

E logo o chamamento do “35” encontrou resposta. A 8 de agosto desse mesmo ano os rapazes de Porto Alegre tem que ir a Taquara, onde se funda o “CTG Fogão Gaúcho”, copiando em tudo o modelo proposto pelo Pioneiro “sui-generis”, original, único no mundo, onde cada célula guia-se obrigatoriamente pelos mesmos princípios e normas de ação.

O Tradicionalismo tem aspectos especiais e específicos, que são os culturais, divididos em ciências e artes. Os aspectos especiais são cinco e todos são fundamentais. Faltando qualquer um deles, já não se fala em Tradicionalismo.

Aspecto cívico: É o que primeiro se nota nas atividades do CTG. Lá estão as bandeiras, os hinos do Brasil e do Rio Grande do Sul, nas festas, nas solenidades, nos desfiles de cavalaria e nas sedes são comuns os quadros retratando os nossos heróis e figuras patrióticas. O gaúcho, aliás, tem duas pátrias: a Pátria Grande, que é o Brasil e a Pátria Pequena, ou Chica, que é o Rio Grande do Sul.

Aspecto filosófico: O aspecto filosófico do Tradicionalismo é dado pelos quatro documentos básicos que norteiam obrigatoriamente todos os centros de tradições gaúchas. O primeiro é a tese “O sentido e o valor do tradicionalismo gaúcho”, de Barbosa Lessa, aprovada no I Congresso Tradicionalista do RS, em Santa Maria, julho de 1954. O segundo é a tese “A função aculturadora dos centros de tradições gaúchas”, de Carlos Galvão Krebs, aprovada no II Congresso Tradicionalista do RS, em Rio Grande, julho de 1955. O terceiro é a “Carta de Princípios do Movimento Tradicionalista”, de Glaucus Saraiva, aprovada no VIII Congresso Tradicionalista do RS, em Taquara, julho de 1961 e o quarto é a tese “A função social do MTG”, redigida por Antônio Augusto Fagundes sob orientação de Onésimo Carneiro Duarte, aprovada pela Convenção Tradicionalista de Lagoa Vermelha, em julho de 1984. Esses quatro documentos fundamentais ditam a filosofia do Tradicionalismo, dando-lhe unidade e tornando-o um movimento. Se não, haveria entidades tradicionalistas com orientação própria, sem um sentido comum, como sucede em outros Países.

Aspecto ético: Este é o aspecto da filosofia não escrita do Tradicionalismo, que diz sobre o permitido e o proibido dentro das entidades Tradicionalistas, mas informalmente. Por que não realizam bailes de carnaval dentro de um CTG? Por que não existe droga? Nada disso é proibido pelos estatutos e regimentos internos e, no entanto, a ética do Tradicionalismo disciplina esses assuntos sem o uso das sanções, apenas por sua força intrínseca, forte como tudo o que a gente leva naturalmente dentro de si.

Aspecto associativo: Toda a entidade tradicionalista reveste obrigatoriamente o caráter de associação civil, organizada e registrada de acordo com a lei brasileira. O Tradicionalismo é obrigatoriamente coletivo. Individual, quando muito, a Tradição.

Aspecto recreativo: Além de tudo o que se oferece, o Tradicionalismo precisa oferecer aos associados também recreação. Lá está a roda de mate, o churrasco, o arroz-carreteiro, o cigarro palheiro e o infaltável fandango, que é o momento de recreação por excelência do Tradicionalismo.

Fonte: Curso de Tradicionalismo Gaúcho - Antonio Augusto Fagundes

Lembrando que é neste final de semana que ocorre em Tramandaí o Entrevero de Peões e Guris em sua fase Estadual.
Deixo votos de sucesso e um forte abraço a meus companheiros de gestão Diego e Fellipe que estão em busca deste sonho. Infelizmente o abraço não será dado pessoalmente, mas meus pensamentos durante os próximos dois dias certamente estarão lá com vocês.
Um ótimo restinho de semana a todos, e muito obrigada pelas visitas :)

Um comentário:

  1. UNIÃO GAÚCHA - PRIMEIRA ENTIDADE TRADICIONALISTA DO RS


    Com 111 anos de fundação, a União Gaúcha João Simões Lopes Neto é a entidade tradicionalista mais antiga deste Rio Grande, e tem como objetivos: relembrar, honrar e conservar as tradições e o patrimônio moral, histórico e cultural Sul-rio-grandense, cultivando o espírito tradicional da honradez, da dignidade, da lealdade, do cavalheirismo, do patriotismo e da hospitalidade do Gaúcho, lembrando através dos seus costumes e usanças. Seu lema : "Espora e Mango"
    Fundada em 10 de setembro de 1899 na cidade de Pelotas - RS. Teve como seu grande líder, o ilustre escritor Pelotense, João Simões Lopes Neto, autor de Contos Gauchesos, Lendas do Sul, Casos do Romualdo e outros.
    Tudo começou com a fundação do Grêmio Gaúcho por João Cezimbra Jacques em 22 de maio de 1988, que iniciou a implantar no Estado o culto as tradições crioulas, inspirado na Sociedad La Criolla do Uruguai fundada em 24 de maio de 1894 (*) . Este sentimento e necessidade de preservar usos e costumes do gaúcho foi o que motivou 82 pelotenses a se reunirem em 10 de setembro de 1899 para a primeira reunião que daria nome a primeira entidade tradicionalista do RS. No dia 20 o mesmo grupo "amantes do culto às tradições" e que foram os sócios-fundadores, se reuniram novamente para aprovar os Estatutos e eleger a primeira diretoria, que foi empossada em primeiro de outubro do mesmo ano.
    Em 1949, Barbosa Lessa e Paixão Cortes se reuniram em Pelotas com os ginasianos e tradicionalistas para reerguerem a União Gaúcha pois depois de muitos anos, em função da Segunda Guerra, o mesmo paralisou as suas atividades e ressurgiu em 18 de setembro de 1950, reafirmando os princípios de defesa da cultura gaúcha, honradez, lealdade, hospitalidade, liberdade, patriotismo, dignidade, cavalheirismo, desprendimento, cumprimento do dever, autenticidade e adotando o nome de União Gaúcha João Simões Lopes Neto em homenagem ao grande tradicionalista e alma inconteste da entidade e que desde a sua fundação foi um dos membros mais atuantes. João Simões foi seu quarto presidente, empossado em 20 de setembro de 1905.
    Em novembro de 2009, após muito esforço a sede foi reconstruída, mas lamentavelmente em 17 de junho de 2010, houve um incêncio nos fundos da dependência e o Jornal Popular noticiou: "Uma das grandes perdas registradas pelo patrão da União Gaúcha João Simões Lopes Neto são os livros que contam a história da entidade e fichas de sócios ilustres como Barbosa Lessa e Paixão Côrtes. Este material não existe mais. Troféus das invernadas, telefone, cortinas, uma gaita (acordeon), forro e painel do salão principal também foram destruídos pelo fogo."
    A lei nº 12.673, de 19 de dezembro de 2006 declara integrante do Patrimônio Cultural do Estado a União Gaúcha João Simões Lopes Neto, oriunda do projeto de lei nº 437/2006 apresentado pelo Deputado Nelson Harter.

    Nos mesmos princípios foram fundados em Bagé o Centro Gaúcho em 16 de setembro do mesmo ano (1899) e em Santa Maria o Grêmio Gaúcho em 12 de outubro de 1901.


    (*) Seu lema " En el fogón gaucho de la Criolla, caben todos los orientales y todos los que viniendo de estas tierras, se identifican espiritualmente con nosotros. La criolla aspira a cobijar bajo su bandera tradicionalista a todos los que tengan el verdadero concepto de Patria."




    Hilton Luiz Araldi
    e-mail : hiltonaraldi@gmail.com

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