sexta-feira, 14 de maio de 2010

Estuda, tchê: Contribuições Culturais

Negros: Em 1737, o Brigadeiro Silva Pais, que vinha oficialmente fundar o presídio militar Jesus Maria José (Rio Grande), trouxe entre seus homens, inúmeros negros. A estes, juntaram-se os chegados anteriormente, sob o comando de Cristóvão Pereira de Abreu. Os descendentes e demais, que se instalaram no RS por circunstâncias diversas, desempenharam importante papel na formação e defesa do Estado. Participaram das Guerras Guaraníticas, da Revolução Farroupilha, da Guerra do Paraguai. A partir do surgimento do Estado Nacional Brasileiro (1824), os negros combatentes receberam alforria. Eles estiveram entre os primeiros tropeiros, peões e charqueadores. Envolvendo o escravo e o período opressivo, corre a narrativa sobre o Negrinho do Pastoreio. Ele relata o martírio do jovem negro, morto por maldade do seu senhor. As pessoas que perdem objetos recorrem ao mártir, oferecendo uma velinha em pagamento da promessa. Várias palavras de procedência africana integram-se ao vocabulário: angu, cacimba, capenga, cachaça, batuque, lundu, mandinga, miçanga, samba, etc. Certos instrumentos de percussão tem procedência negra: agê, maçaquaias, atabaques. Há influência também no gosto pelos enfeites, berloques, brincos, colares de guia e outros, bem como o uso de turbantes. Destaca-se igualmente, a herança negra nos cultos religiosos: Umbanda, Quimbanda, Batuque ou Nação. Suas divindades sincretizaram-se com os Santos do hagiológico católico. Durante a procissão de Nossa senhora dos Navegantes, há quem preste homenagem a Iemanja; também São Jorge, em sua festa é reverenciado pelos filhos de Ogum. A devoção a Nossa Senhora do Rosário é demonstrada pelos negros na Congada e no Quicumbi. A culinária, chamada africana, restringe-se à “comida de santo”.

Açorianos: A colonização portuguesa efetivou-se a partir de 1737 com a fundação do Presídio do Rio Grande. Os colonos estabeleceram-se na Estância Real do Bujuru, situada, aproximadamente, a 80 km do canal de Rio Grande. Habituados às lides do campo e lavoura, aqui prosseguiram nesta atividade, plantando e colhendo o que se consumia na estância, igualmente, no Forte Jesus, maria e José. Desde 1750, novos colonos aportaram no RS, oriundos das ilhas dos açores, cuja superpopulação preocupava o governo. Assim, a presença portuguesa tornou-se marcante em todos os aspectos da cultura sul-rio-grandense. Das inúmeras contribuições, destacam-se: casas de modelo de porta e janela; oratório, cama de tábua, arca, baú, candeeiro (iluminação de torcida de algodão), escolva de piaçaba, roca e tear, bordados, guardanapos de papel recortado. Apontam-se ainda, a instalação de complexos: atafona, alambique, engenho, monjolo, catavento. Nos transportes, a utilização de carretas, carroças e embarcações. Na indumentária, registram-se uso de chale, tamanco e saias rodadas. Provindas de Portugal, são conhecidas as histórias de Trancoso, Pedro Malazartes, fadas, anedotas, adivinhas, ditados, romances, xácaras, décimas, trovas, causos sobre mitos (lobisomem, bruxa, mula-sem-cabeça); crendices e superstições, cantigas de toda e acalantos, etc. Introduziram as festas de Nossa Senhora dos Navegantes, Corpus Christi, Divino Espírito Santo, Juninas e folguedos: Cavalhadas e Terno de Reis. A maioria dos ritos tradicionais do Estado procede da pátria portuguesa.

Espanhóis: A influência espanhola na formação étnica e cultural, no RS, é tão evidente e já exaustivamente estudada que não há necessidade de repeti-la insistentemente, porque se estaria repisando a própria história da formação e povoamento da terra rio-grandense. Esta importância alcança o próprio biótipo, na aparência somática, nas reações fisiológicas, nas manifestações do caráter, como diz o autor A. A. Gómez del Arroyo, e continua: “impossível ignorar a influência espanhola em nossa indumentária tradicional masculina; nos aperos de encilha, em muitas das nossas danças regionais, em nosso refraneiro popular, em nossa poesia, em nossa música e nos instrumentos que a transmitem, como o violão entre outro; em nosso linguajar característico, desde a entonação à prosódia, ao vocabulário campeiro, à própria interpretação semântica dos termos”. Outras correntes migratórias expressivas participaram di processo de formação das agentes do RS, como os uruguaios, libaneses, sírios, letões (da Letônia) e muitos mais de número inferior, que, conservando a identidade de seu grupo ou sincretizando-se, criaram novos valores, amalgamando as etnias e culturas. “A interpretação cultural vem-se fazendo, ao lado do cruzamento étnico, sem nenhuma resistência ao desenvolvimento do País; ao contrário: com a aceitação ou a permuta de padrões ou valores culturais, dentro do espírito cristão de tolerância e de fraternidade que o brasileiro se arraigou como a mais legítima herança espiritual do português colonizador”, enfatiza Manuel Diegues Junior.

Alemães:
Apontam-se, como causas propulsoras à imigração alemã, as preocupações com o desenvolvimento econômico e demográfico. Os colonos chegaram ao RS em 1824. Novos grupos imigraram em datas posteriores, localizando-se, inicialmente, em São Leopoldo, Torres, e Três Forquilhas. Atualmente, a região colonial alemã estende-se pelo Vale dos Sinos e Rio Caí. Houve, a princípio, um retardamento de aculturação. Segundo Egon Schade, “A pequena propriedade, baseada no trabalho familiar, sem a necessidade de emprego da mão-de-obra nacional, foi responsável pela impermeabilidade da sociedade teuta.” Muitos imigrantes eram apenas agricultores, porém grande número tinha ofício definido (marceneiro, moleiro, ferreiro, alfaiate, pedreiro, etc.) Imprimiram um estilo arquitetônico nas igrejas e casas. Construíram, dentre outras, casas de enxaimel do tipo usado na Europa. Os móveis eram muito simples, de fabricação caseira e somente o estritamente necessário, hábito que seus descendentes ainda conservam. O “Koffe” (baú), peça indispensável, muitas vezes era usado para o transporte de haveres dos imigrantes, durante longas viagens. A lúdica, nas colônias, foi bastante exercitada, criando-se bandas, Sociedades de Canto, Tiro-ao-alvo e Bolão. Ainda hoje, realizam-se festas já transculturadas: Kerb, Oktober, Rei do Tiro. A alimentação embasa-se na carne de porco e batatas. Incorporaram-se, aos costumes gaúchos, a cerveja e o café colonial. Este, composto de vários tipos de pães, cucas, tortas, salgadinhos, embutidos, schmier, mel, queijos, Käseschmier, nata, etc. A colonização alemã é responsável pela introdução da árvore de Natal e dos Ninhos de Páscoa.

Italianos: Em 1875, a corrente imigratória iniciava seu destino em terras rio-grandenses. Vindas de diversas regiões da Itália e falando múltiplos dialetos, levas de imigrantes buscaram terras para o cultivo. Localizaram-se na região serrana (Encosta Superior do Nordeste). Enquanto as casas estavam em fase de construção, as famílias permaneciam num barracão coletivo. Construíram suas amplas casas nas encostas com um grande porão, utilizado para depósito e cantina. Na parte superior, ficava a residência; no sótão, guardavam-se o cereais e mantimentos, protegidos das intempéries. A cozinha, construía-se separada da casa, a fim de se evitarem incêndios. Ligava-se a esta por um alpendre. Faziam cobertura com “aduelas” ou “scandolas” (tabuinhas) e os beirais, enfeitados por “lambrequins” artisticamente recortados. Dedicaram-se à agricultura, em especial, à vinicultura. De seu artesanato, destacam-se a confecção de gaitas, garrafões de vidro e trabalhos em vime. Católicos fervorosos, conservam seus hábitos religiosos de rezar o terço, assistir missa, acompanhar procissões, etc. e por esse motivo, suas festam possuem caráter religioso: procissão de Corpus Christi, Romaria de Nossa Senhora do Caravaggio, Festa da Colheita, esta última animada por corais familiares. Nas estradas da região colonial, veem-se inúmeros capitéis (capelinhas) em homenagem aos mais diversos padroeiros; grutas, que com imagens de santos enfeitam os jardins das residências. Apreciadores da boa mesa, implantaram, na região serrana, seus hábitos alimentares, onde as massas com espessos molhos aparecem com destaque; spaghetti, agnolini, tortei, gnochi, capelleti e outros, são alguns dos nomes que aparecem nos cardápios ao lado da tradicional polenta, acompanhados de carne lessa, brodo (caldo de galinha), carne de porco e o galeto, criado no RS para substituir a passarinhada, tão ao gosto dos italianos. Entre seus costumes, observam-se os “filós” (serões) – espécie de mutirão para tarefas conjuntas, comemoração de alguma data ou fato (nascimento, batizado, aniversário, etc.). As boas safras e colheitas sempre forneceram motivo para festas que, invariavelmente, se iniciam com missa. Os bailes foram substituídos pelos jogos e competições esportivas. Torneios de bocha, mora, morina e inúmeros jogos de baralho como a “bisca”, o “trissete”, o “quatrilho”, o “cinquilho”, a “escova”, acompanhados por vinho e cantoria fazem a alegria das tardes festivas e domingueiras. Na literatura oral, corrente na colônia, aparece o Sanguanel, “homenzinho vermelho que rouba crianças, alimentando-as durante alguns dias, com mel e frutas silvestres, desenvolvendo-as incólumes sempre em lugares inacessíveis, como o alto de um pinheiro, moita de gravatás ou no sótão, dentro de uma caixa.

Índios: Dante de Laytano divide a cultura indígena rio-grandense em três ciclos distintos, a saber: CIVILIZAÇÃO DO SAMBAQUI – pré-histórica. Não deixou vestígios na vida cotidiana do gaúcho atual. CIVILIZAÇÃO DO DESCOBRIMENTO – do qual procedem os poucos traços culturais, vivos até nossos dias. CIVILIZAÇÃO DA ATUALIDADE – em vias de extinção. Aproximadamente 4000 pessoas vivem em precárias condições, concentradas em sete postos da FUNAI, tendo seus padrões culturais profundamente alterados. Para o presente estudo, interessam as contribuições dos diversos grupos de povoadores à cultura espontânea sul-rio-grandense. Buscando estas influências no cotidiano, percebe-se que o hábito mais arraigado do gaúcho constitui-se no uso do chimarrão. A erva-mate é autóctone da América Latina. Ao chegarem na cidade de Assunção, Paraguai (1737) onde fundaram um império teocrático, os jesuítas já encontraram índios, utilizando esta erva em infusão. Seu uso, embora considerado pecaminoso aos religiosos, alastrou-se pelas Missões Jesuíticas, intensificando-se a tal ponto que, após um século a população existente já o tinha assimilado. O índio miscigenou-se com o português e o castelhano. Nas fazendas da fronteira, tornou-se peão, participando da formação étnica e social da região. Entre outros conhecimentos, legou a técnica da coivara e o cultivo do milho, mandioca, batata-doce, abóbora, amendoim, pimenta, feijão e fumo. Também, o uso de utensílios como pilão, tipiti, gamela, peneira. Na indumentária sua principal contribuição foi o poncho que até hoje abriga os gaúchos. O andar em fila, comum entre as famílias do meio rural, descansar de cócoras, o mutirão, uso do fumo são costumes recebidos dos ancestrais indígenas. Grande quantidade de termos procedem do Tupi-guarani: anu, arara, biguá, capivara, abacate, araçá, cipó, capim, catapora, ipê, jacá, caipira, pitanga, pampa, peteca, etc. Na toponímia, figuram inúmeros termos legados: Caçapava, Jaguarão, Bagé, Canguçu, Botucaraí, Itapeva, Bojuru, Ibicuí, Ijuí, Taquari, etc. É significativo o número de antropônimos: Araci, Jaci, Ubirajara, Aimoré, Moema, Iara, Peri, etc. Circulam, na literatura popular, histórias de onça, macaco, bem como contos etiológicos de tradição indígena. Do ciclo missioneiro, registram-se várias narrativas, algumas envolvendo mitos: Mboi-guaçu, a Cobra Grande, batia o sino da igreja e alimentava-se de piás; Angüera, índio triste que após o seu batismo com o nome de Generoso, ficou alegre e dançador. Quando morreu, sua alma permaneceu na terra, fazendo travessuras. A casa branca sem portas, nem janelas que guarda tesouros dos jesuítas, permanece escondida e protegida por um índio velho, chamado Mbororé. Sepé Tiarajú, morto pelo governador de Montevidéu, a 19 de fevereiro de 1756, entrou para a história como líder guerreiro e, para a cultura espontânea, como santo popular, cantado em prosa e verso. Diz a tradição: após a morte do índio, o lunar que ele trazia à testa, posicionou-se no céu, junto a constelação Cruzeiro do Sul.

Poloneses:
Durante 125 anos, os poloneses viveram sob o jugo da Prússia, da Rússia e da Áustria, que tudo fizeram para amordaçar, sub-julgar e aniquilar o povo polonês. Rebelaram-se e lutaram com todas as suas forças contra esse domínio. Quando a situação atingiu um auge insuportável, buscaram nova vida em outros países, através da imigração. Em 1875, chegaram ao RS, vindos da região dominada pela Prússia, as primeiras 26 famílias polonesas, assentadas na Colônia Conde D'Eu (Garibaldi). Em 1884 outro grupo foi encaminhado para Colônia Princesa Isabel, atualmente Santa Teresa, distrito de Bento Gonçalves. A partir de 1888, iludidos por promessas de agentes de companhias de navegação aportaram levas de imigrantes, que aqui chegavam sem dinheiro, sem aclimatação e sem o indispensável apoio espiritual de um padre. Entregues à própria sorte, tiveram que lutar contra inúmeros fatores adversos, enfrentando inclusive epidemias de tifo e escarlatina. Estabeleceram-se em Antônio Prado, Alfredo Chaves, São Marcos, Nova Prata, Bento Gonçalves, Guarani das Missões, Mariana Pimentel, Seberi, Don Feliciano e outros municípios. Todos eram católicos fervorosos, mas por serem oriundos de diferentes regiões (um grupo vinha da zona de dominação prussiana e, outro, de dominação russa) possuíam, além de hábitos e costumes, dialetos e sotaques diferentes. Permanece vivo o hábito de assistir missa; os homens postados à esquerda e, as mulheres à direita de quem entra na igreja, ou seja, os homens do lado do evangelho e as mulheres do lado da epístola. Ao término da cerimônia, todos se cumprimentam fraternalmente. Possuem e conservam suas tradições, transmitidas aos mais jovens. Inúmeros grupos ensaiam e apresentam ao público belíssimas danças polonesas, trajando vistosos trajes típicos, e tanto adultos como crianças cantam suas canções em polonês.

Judeus: Ao raiar deste século, a poderosa organização “Jewish Colonization Association” (JCA ou ICA) que operava com verba de judeus franceses e ingleses promoveu a imigração semita para o Rio Grande do Sul. Em 1902, a JCA adquiriu terras no município de Santa Maria, onde a partir de 1904, viriam se estabelecer Judeus, procedentes da Bessarábia, fundando assim a Colônia Filipson. Posteriormente, a mesma JCA comprou novas terras, aproximadamente 95.000 há no município de Passo Fundo, lá fundando a Colônia Quatro Irmãos. Estas não progrediram conforme o esperado. Inúmeras dificuldades, tais como longas estiagens impossibilitaram, no início, o assentamento dos colonos na área rural. Seguidamente, já dominando alguma tecnologia, mandavam os filhos comerciar os produtos nas cidades a estes atraídos pelos centros maiores, lá iam permanecendo, buscando parentes já idosos das fazendas, que se iam esvaziando à falta de braços jovens. A chegada dos judeus geralmente era feita (e ainda o é) em grupos que se vão espalhando, sobretudo, nos lugares onde existiam outros patrocínios. Eles mantêm sua unidade através da religgião e sua “língua”, o Yddish, uma espécie de jargão hebreu-alemão (Grupo Ashkenazim). Conservam suas festas cíclicas como a Páscoa e o Yon Kipur de grande solenidade anual. Formam associações beneficentes e religiosas. Reúnem-se em comunidades, quase sempre nos grandes centros urbanos. Vindos para terras brasileiras desde o começo da colonização, os judeus atualmente estão inteiramente integrados dedicando-se a toda a espécie de atividade.

Fonte: Livro Aspectos do Folclore – Lilian Argentina Marques e outros (3ª edição, 1995)

Um ótimo final de semana ensolarado a todos! Beijos ;*

2 comentários:

  1. Gostei muito deste trabalho. è o embasamento que procurava para trabalhar com meus alunos. Obrigada!!!!

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  2. Os negros vieram numa boa para o RS e viveram felizes nesses pagos. Qee lindo. kkkk

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