Aqui você encontra a tese "Reflexões necessárias - A ideologia do Tradicionalismo Gaúcho", com autoria de Manoelito Carlos Savaris, na íntegra, para ler, analisar, e estudar... muito!
Boa leitura!
MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO
Tese aprovada no 65º Congresso Tradicionalista Gaúcho realizado de 13 a 15 de janeiro
de 2017 no CTG Laço Velho, em Bento Gonçalves
REFLEXÕES NECESSÁRIAS
IDEOLOGIA DO TRADICIONALISMO GAÚCHO
O Movimento Tradicionalista Gaúcho – MTG tem suas origens remotas ainda no século XIX. As primeiras iniciativas não alcançaram abrangência significativa e nem se consolidaram como um “movimento” coordenado e com objetivos tão claros e definidos que pudessem criar raízes sólidas no meio social. Desse período destacamos a criação do Grêmio Gaúcho de Porto Alegre, criado em 1898 sob a liderança de João Cezimbra Jacques, o Patrono do Tradicionalismo Gaúcho.
Em meados do século XX, a partir da reação à invasão cultural, especialmente norte-americana, um grupo de jovens interioranos vivendo em Porto Alegre, cria uma agremiação denominada 35 Centro de Tradições Gaúchas que estabelece novo e definitivo padrão para as iniciativas tradicionalistas. A definição clara dos objetivos e a nomenclatura específica e inovadora dão ao 35 CTG a condição de pioneirismo, mesmo que outras entidades tenham sido criadas antes.
A partir de 1948 surgem os CTGs, em todos os cantos do estado e em vários locais do Brasil, invariavelmente organizados à imagem e semelhança do “Pioneiro”.
Graças ao trabalho incansável dos fundadores, daquilo que podemos chamar de “tradicionalismo moderno”, surgiram os congressos tradicionalistas que proporcionaram o exaustivo debate e posterior fixação dos objetivos gerais, das metas a serem alcançadas, dos princípios norteadores, dos valores a serem preservados e da estrutura ideal para consolidação e perpetuação de tudo isso.
É dos congressos que emergem documentos tidos como fundamentais e indispensáveis ao MTG: as “teses” que fazem reflexão sobre o sentido, o valor, o alcance social ou as razões do tradicionalismo, tais como “O sentido e o valor do tradicionalismo” de 1954 e “O sentido e o alcance social do tradicionalismo” apresentado em partes, nos anos de 1995 a 2004; a “Carta de Princípios”, que define os objetivos e estabelece parâmetros e limites do Movimento; e os “planos” que tiveram a finalidade de reorientar, revitalizar e fixar posição do Movimento Tradicionalista, tais como o “Plano Vaqueano” de Hugo Ramirez em 1969 e o “Plano de Ação social” de Onésimo Carneiro Duarte em 1983.
Constatamos que o tradicionalismo gaúcho, ao longo de sua história, soube discutir as questões vitais para a sua preservação e fortalecimento. Ele sempre soube encontrar caminhos que conduzissem os tradicionalistas e as entidades em torno das quais esses se reúnem, para caminhos seguros. Utilizando uma linguagem atualmente muito empregada no meio empresarial, podemos dizer que o Movimento soube “reinventar-se”.
É claro que as ações de “reinvenção” ou de “reengenharia” sempre foram mecanismos utilizados para melhorar ou para recompor o seu corpo organizacional. É isso que estamos propondo neste momento.
Sabemos que as instituições evoluem e que ao longo dos anos são assimiladas novas tecnologias e novas formas de relacionamento. Esse evoluir é da essência das instituições. É o próprio movimento. Também sabemos que é impossível retornar ao ponto de partida ou de refazer o caminho trilhado. Os acertos e os erros da trajetória institucional estão lá, são intocáveis e devem servir somente como referência para que, se faça melhor. Portanto não há como retroceder.
No entanto, detectados problemas ou imperfeições, podemos resgatar do passado aspectos importantes e fundamentais que eventualmente se tenham perdido ou desgastado. O importante, para poder agir bem, é analisar o cenário atual e verificar a necessidade, ou não, de implementação de mudanças ou de resgate de aspectos fundamentais.
OS FUNDAMENTOS DO MOVIMENTO TRADICIONALISTA GAÚCHO
O sentido do tradicionalismo e o seu valor foram definidos por Barbosa Lessa na tese aprovada durante o 1º Congresso Tradicionalista realizado em Santa Maria, no inverno de 1954.
Os objetivos do tradicionalismo gaúcho estão insculpidos na Carta de Princípios, elaborada por Glaucus Saraiva e aprovada no 8º Congresso Tradicionalista realizado em Taquara no ano de 1961.
Os objetivos do MTG, como federação, foram definidos no 12º Congresso Tradicionalista realizado em outubro de 1966, na cidade de Tramandaí, no estatuto apresentado por Hugo da Cunha Alves, oportunidade em que o MTG foi criado.
As características do MTG foram definidas, também, no 12º Congresso, por proposta de Hermes Ferreira e constam no Brasão de Armas, são elas: social, nativista, cívica, cultural, literária, artística e folclórica.
Os valores básicos da tradição gaúcha foram didaticamente apresentados por Jarbas Lima no 40º Congresso Tradicionalista, realizado no verão de 1995, em Dom Pedrito e são eles: espírito associativo, nativismo, respeito à palavra dada, defesa da honra, coragem, cavalheirismo, conduta ética, amor à liberdade, sentimento de igualdade, politização, e o senso de modernidade.
As crenças que caracterizam o tradicionalismo são encontradas nas obras de Paixão Cortes, Barbosa Lessa, Manoelito de Ornelas, Glaucus Saraiva, nas letras de músicas regionais, nas palestras e pregações de inúmeros tradicionalistas e, sem querer esgotar o tema, podemos enumerar: a família como célula indispensável, a convivência das gerações como garantia do fazer da tradição, o respeito em relação ao outro como garantia da sociabilidade, a confiança como elemento de tranquilidade psicológica, o trabalho em mutirão como argamassa de construção do ambiente associativo, a força do grupo local que atende, no indivíduo, o sentimento de pertencimento.
Os princípios do tradicionalismo gaúcho são vários e dificilmente poderão ser estabelecidos de forma definitiva, mas analisando todos os documentos já citados e outros mais aprovados em Congressos ou apresentados em obras como o Nativismo de Barbosa Lessa, Curso de Tradicionalismo de Antonio Augusto Fagundes, Manual do Tradicionalista de Glaucus Saraiva, ABC do Tradicionalismo de Salvador Lamberti, entre tantas outras. Para fins desse documento e atendendo ao que ele se propõe, selecionamos três princípios para que sirvam de base ao “Plano de recomposição ideológica”: a simplicidade, a tradicionalidade e o voluntariado.
SIMPLICIDADE
Os dicionários definem como simples aquilo que não é dotado de artifícios, extravagâncias ou excessos.
Todos os historiadores, pesquisadores e romancistas que escreveram sobre o gaúcho, partiram do conceito de que se trata de um tipo humano simples, não afeito ao luxo, não disposto ao uso de artifícios, direto, autêntico, original. No vestir, no portar-se, no falar, nas condições de moradia, nas exigências de conforto, o gaúcho é um tipo humano simples. Não rebuscado.
O traje é simples, tanto para o homem como para a mulher. Até o estancieiro ou o charqueador, gaúchos da classe socialmente mais elevada, guardam a simplicidade no vestir, sem exageros. Aqui não encontramos o uso de penas nos chapéus ou de maquiagens nos homens.
O galpão, seus móveis e instrumentos são sempre simples e funcionais. Não há que se confundir simplicidade no vestir e na morada com desleixo ou falta de asseio.
As danças tradicionais pesquisadas e adotadas pelo MTG são simples, tanto na elaboração coreográfica quanto na composição musical. Os próprios instrumentos musicais, sempre importados, são simples, com destaque para a viola ou violão e a gaita (acordeão).
TRADICIONALIDADE
É qualidade ou condição do que é tradicional. Tradicional, por sua vez é tudo aquilo que decorre de costumes praticados antigamente e que se relacionam com uma determinada cultura ou história de uma comunidade. O tradicional pode ser manifestado em diversas expressões artísticas que explicam o cotidiano de uma maneira enraizada na história de um povo.
A tradicionalidade é determinada pelo fazer da tradição, ou seja, pela transferência de princípios, crenças, valores, usos, costumes e fazeres de uma geração para outra. Não há tradicionalidade naquilo que for fruto da inovação, da invenção de hoje ou da vontade individual de quem está realizando ou construindo alguma coisa.
Quando tratamos de coisas tradicionais estamos nos referindo à cultura e ao folclore de uma sociedade, no caso, da sociedade gauchesca. Isso vale para a forma de utilizar o laço, de encilhar o cavalo, de vestir-se à moda do gaúcho, de executar uma dança tradicional ou de criação e execução musical.
VOLUNTARIADO
As nações unidas definem o voluntário como: “o jovem ou o adulto que, devido a seu interesse pessoal e ao seu espírito cívico, dedica parte do seu tempo, sem remuneração alguma, a diferentes formas de atividades, organizadas ou não, de bem estar social, ou outros campos...”
No conceito de voluntariado dois elementos são fundamentais: o cunho pessoal ou escolha individual e a doação de tempo e de esforço para responder a uma inquietação ou a uma convicção levada à prática.
De uma foram geral as entidades sem fins lucrativos, como são todos os CTGs, as RTs e o próprio MTG, se baseiam no voluntariado. As pessoas, livre e espontaneamente, se associam e, a partir daí, dedicam tempo, esforço, inteligência e mesmo recursos financeiros pessoais para que aquela entidade atinja os seus objetivos. Estatutariamente é vedado remunerar ou distribuir lucros entre associados e dirigentes dos CTGs. O que pode haver é o ressarcimento de despesas pessoais quando isso se impõe para que os objetivos sejam atingidos.
Até aproximadamente vinte anos atrás cada CTG tinha seu grupo musical e o seu instrutor exclusivo. As despesas para manutenção dessas atividades eram aquelas necessárias para o pagamento de custos referente à alimentação e transporte ou para a frequência de algum curso de aprimoramento ou, ainda, para o concerto ou afinação dos instrumentos musicais que, eventualmente pertenciam ao próprio CTG.
O voluntariado no tradicionalismo gaúcho ainda está muito presente. Os dirigentes de CTGs, das Regiões Tradicionalistas e do MTG não são e não podem ser remunerados. Quando a entidade apresenta um quadro de disponibilidade, há o ressarcimento de despesas o que é plenamente justificável.
Os associados de entidades tradicionalistas, de uma forma geral, são voluntários, sejam eles concorrentes em eventos ou simplesmente apoiadores. Veja-se como ocorre com laçadores, integrantes dos departamentos de esportes campeiros, dançarinos, prendas e peões de faixa e crachá. Mas no quadro atual temos duas atividades que a maioria dos CTGs remunera: instrutores de danças tradicionais e membros dos grupos musicais.
No caso de avaliadores da área artística e juízes da área campeira, há o consenso de que deva haver o pagamento de despesas. Em várias situações, especialmente quando são oferecidos valores financeiros como premiação, parece razoável que avaliadores e juízes sejam remunerados através de cachê previamente definido.
As entidades sem fins lucrativos podem ter em seus quadros, um corpo de funcionários para atender as suas necessidades estruturais. Há casos em que gaiteiros ou mesmo instrutores de danças são funcionários com direitos e deveres definidos nas leis trabalhistas. Essa prática, mesmo que não recomendada para entidades como os CTGs que existem para oferecer oportunidade de convívio entre gerações e de perpetuação das tradições, é compreensível.
No Brasil há uma lei federal que regulamenta o serviço de voluntariado (Lei 9.608 de 18 de fevereiro de 1998). Essa lei diz: “considera-se serviço voluntário, para fins da lei, a atividade não remunerada, prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza, ou a instituição privada de fins não lucrativos, que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência social ...”
A mesma lei, no artigo 3º, diz que “o prestador de serviço voluntário poderá ser ressarcido pelas despesas que comprovadamente realizar no desempenho de suas atividades voluntárias”.
O MOMENTO ATUAL DO MTG
O Movimento obteve um grande crescimento quantitativo em número de entidades tradicionalistas (CTGs). Temos no Rio Grande do Sul, aproximadamente 1700 entidades filiadas.
Ao longo dos últimos 50 anos (durante o período da existência da “federação”) foram criados vários eventos competitivos nos quais os filiados participam, são avaliados e recebem premiação segundo seu desempenho.
Nesta análise queremos destacar os eventos em que as competições são principalmente entre entidades e eventualmente entre Regiões Tradicionalistas: os rodeios, a Festa Campeira do Rio Grande do Sul - FECARS, o Encontro de Artes e Tradição Gaúcha – ENART e o Festival Gaúcho de Danças – FEGADAN.
Para atender a questão de avaliação, foram criados os quadros de “avaliadores oficiais” do MTG, tanto na área artística quanto na área campeira. Aos poucos as entidades promotoras de rodeios se adequaram e passaram a utilizar esses tradicionalistas para a tarefa de avaliação com o objetivo de que erros ou enganos fossem minimizados. A ideia é de que os avaliadores credenciados pelo MTG estariam melhor preparados e seriam mais confiáveis.
Na área campeira, a avaliação é muito mais objetiva do que na área artística, especialmente nas provas do tiro de laço, o que “teoricamente” gera menos problemas. Alem disso a adoção do sistema de “armada cerrada” praticamente elimina as dúvidas, ficando as questões polêmicas na área do cumprimento das normas relativas à encilha dos animais e à indumentária dos competidores.
Nas atividades competitivas artísticas o problema da avaliação é mais delicado e preocupante. Nesse campo há uma grande quantidade de pontos cuja avaliação é fundamentalmente subjetiva, ou seja, cada avaliador pode ter um entendimento diferente ou uma postura individual mais ou menos rigorosa, o que gera discrepâncias e, eventualmente, resultados sujeitos a questionamentos. Isso vale para as provas individuais, especialmente a declamação e a interpretação musical, e para as provas coletivas como as danças tradicionais. Aliás, é nas danças tradicionais que se concentram os maiores problemas de avaliação, ou então, os problemas mais notáveis.
Para a área da avaliação das danças tradicionais, notadamente quando a avaliação segue o padrão do ENART, foram criadas planilhas de avaliação com detalhamento extensivo, com padrões de “descontos” muito complexos e compreensíveis somente para os “iniciados”. O “tradicionalista comum” não entende as planilhas de avaliação das danças tradicionais. Supõe–se que a criação dessas planilhas se destinou a minimizar erros ou a padronizar avaliações. De alguma forma foi o caminho escolhido para que o “subjetivismo” fosse reduzido a uma questão insignificante, o que não significa que o objetivo tenha sido alcançado, aliás, a sensação é a de que realmente não resolveu a questão.
Na área musical, temos claramente duas situações que se criaram com o passar do tempo e com o rigor técnico aplicado pelos avaliadores: perdeu-se o jeito “antigo” de cantar e de tocar (falamos do jeito que predominou durante os 40 primeiros anos do tradicionalismo); eliminaram-se os músicos amadores de dentro dos CTGs, especialmente aqueles que tocavam e cantavam para a execução das danças tradicionais. O rigor aplicado na avaliação afastou definitivamente os gaiteiros e violeiros que “tocam de ouvido” ou que fazem isso de forma amadora e voluntária.
Para atrair mais participantes e para chamar à atenção do público, os rodeios passaram a oferecer premiações “em dinheiro”, cada vez maiores. Hoje os rodeios são avaliados, quanto à sua importância, conforme o valor oferecido aos vencedores. Essa é uma verdade absoluta para a área campeira e uma verdade relativa para a área artística das danças tradicionais.
Na área das danças tradicionais, a importância do rodeio é calculada pelos prêmios oferecidos aos vencedores, mas também se aquele rodeio serve de parâmetro de avaliação para o ENART. Ou seja, as entidades tradicionalistas utilizam os rodeios e a avaliação da “comissão do MTG” para definir um plano de trabalho com vistas a ganhar o ENART a partir daquilo que os avaliadores, daquele ano, definem que “é o certo”, nos diversos quesitos de “correção”, “interpretação” e “harmonia”, além da música, é claro.
Outras duas questões importantes nesse cenário são: a indumentária a ser utilizada, especialmente no ENART, e a montagem das coreografias de “entrada” e “saída” para os grupos de danças tradicionais.
A questão de indumentária passa por dois momentos: primeiro a “necessidade” de impressionar o público e os avaliadores com uma vestimenta nova e cada vez mais “rica”; segundo a avaliação feita pela “comissão do MTG” que procura manter intactos determinados padrões históricos e tradicionais. Talvez essa ação do MTG seja a única que não implique aumentar os gastos dos CTGs, antes pelo contrário, procura eliminar “invenções” que sabidamente encarecem as vestimentas.
No quesito coreografias de “entrada” e “saída”, criou-se uma sistemática que funciona como mobilização interna dos próprios grupos de danças à medida que é a novidade anual que cativa os jovens dançarinos; e uma necessidade externa de impressionar positivamente o público que assiste e os próprios jurados, a mediada que os espetáculos são verdadeiras maravilhas teatrais.
Para atender à exigência cada vez mais alta da avaliação e o nível cada vez mais técnico exigido, assim como para alcançar os ditames da “comissão do MTG” para aquele momento, as entidades tradicionalistas que desejam participar do ENART, seja na força A ou B, se “obrigam” a adoção das seguintes medidas:
- Dispor de músicos profissionais, ou com desempenho profissional, e que além de tocar e cantar, também sejam “empolgantes” e possam “contaminar” tanto os dançarinos quanto os avaliadores;
- Possuir instrutores que tenham grande capacidade de mobilização, sejam conhecedores profundos do regulamento e dominem completamente o “livro das danças tradicionais”. Também se constata que esse instrutor deve ser “conhecido”, “ter nome” e, com estes pré-requisitos impor respeito junto aos avaliadores.
- Utilizar “coreógrafos” especializados (profissionais) na montagem e treinamento para as “entradas” e “saídas”.
- Mais recentemente, algumas entidades, têm se valido de serviços de nutricionistas, psicólogos, professores de educação física, professores de balé, etc.
- Gastos que vão muito além do que a entidade normalmente tem capacidade de arcar. Isso obriga a que os valores cobrados dos próprios dançarinos ou que a realização de promoções específicas para arrecadação de fundos sejam uma prática permanente;
- O afastamento de voluntários da própria entidade que até vinte anos atrás eram comuns, seja como músicos, seja como instrutores; todos são pagos, exceto os dançarinos que são os únicos voluntários de verdade;
- O afastamento de associados que não possuem capacidade financeira para arcar com os custos de manutenção de grupos de danças para atender aquelas “exigências” do ENART e dos grandes rodeios;
- Afastamento dos associados que se envolvem trabalhando em eventos para angariar fundos, visando realizar melhorias físicas da entidade ou cobrir despesas de outros setores da entidade e, ao final, constatam que os lucros obtidos acabam sendo canalizados para pagamentos dos especialistas contratados;
- A busca permanente e quase que exclusiva da premiação oferecida em rodeios para abater o valor gasto com musicais, instrutores, coreógrafos, indumentária e tudo o mais. Aquela participação pelo prazer, pela confraternização, pela tradição, praticamente desapareceu dos rodeios.
Como consequência paralela a tudo isso, podemos destacar os seguintes itens
que nos parecem importantes e merecem atenção de todos nós:
- A redução da quantidade de participação das modalidades individuais nos eventos artísticos, em função da supervalorização dos grupos de danças e do quanto é investido neles;
- A categorização das entidades e dos grupos de danças que, por mais que seja negada por instrutores e avaliadores, é uma realidade percebida e sabida de todos nós. È real a classificação de “grupo dos grandes”, “grupo dos médios”, o “grupo dos ruins”, e assim por diante. Essa talvez seja a consequência mais danosa e mais destrutiva para o Movimento, seus objetivos e seu futuro;
- O domínio dos instrutores dentro dos CTGs é uma realidade. É frequente ouvirmos: “lá quem manda é o instrutor” ou “o instrutor manda mais que o patrão”. As patronagens dos CTGs são de tais formas pressionadas para atender às “necessidades do ENART”, que acabam cedendo poder, espaço gerencial, comando e destino aos instrutores e dançarinos dos grupos adultos;
- Cada vez menos entidades mantêm grupos de danças adultos, especialmente no interior do estado ou nas cidades menores. Elas não conseguem fazer frente aos grandes centros e ao poderio econômico de algumas entidades que possuem melhor estrutura ou que, pela sua história, são destaque. Essa questão leva a que determinadas entidades possuam gente sobrando para os seus grupos de danças, enquanto outras sequer consigam o mínimo para poder participar.
Existem algumas questões que, talvez, não tenham relação única com isso tudo,
mas que certamente também sofrem influencia desse modelo que criamos na área
artística. Sim, porque na área campeira a situação é diferente, senão vejamos:
Na área campeira um dos problemas mais agudos e que tem gerado muitos
debates, algumas desavenças e certo desânimo por parte dos dirigentes mais preocupados
com a preservação da tradicionalidade, é o uso de peças de indumentária em desacordo
com a tradição, especialmente a bombacha e o lenço, alem do uso de peças da encilha dos
animais que não guardam relação com a tradição e com a história do gaúcho.
Na área artística não há contestação com relação à bombacha, o lenço e outras
peças da indumentária. O que se verifica aqui é o não uso da indumentária. Especialmente
os grupos de danças, somente estão pilchados no momento da apresentação. Os jovens,
de todas as categorias (mirim, juvenil e adulta), descem do tablado e correm para o ônibus
ou para o alojamento e trocam de roupa, abandonando a indumentária. Chegamos ao
ponto de ficar na dúvida se determinado evento tem cunho tradicionalista ou não, tamanha
a falta de pessoas pilchadas.
Ainda na área artística, praticamente foram eliminados os acampamentos. Não há
mais convivência tradicionalista. O interesse é exclusivamente o de dançar, ganhar o
concurso e receber o prêmio. Essa questão é tão impactante que o Congresso
Tradicionalista de Uruguaiana, de janeiro de 2015, decidiu impor restrições à participação
de grupos de danças em vários rodeios no mesmo final de semana.
A QUESTÃO DO AMADORISMO
No documento que anualmente o presidente do MTG assina transferindo a sede
do MTG para a cidade de Santa Cruz do Sul, onde se realiza a final do ENART, diz: “por
tratar-se de evento amador, consoante aos princípios e filosofia do Movimento
Tradicionalista Gaúcho...”
Discutimos várias vezes a respeito do que seria o amadorismo no caso do
Movimento Tradicionalista e chegamos a criar uma definição com relação aos músicos. O
regulamento do ENART diz:
“Art. 5º - Participarão dos concursos do ENART, individual ou coletivamente,
apenas artistas amadores.
§ 1º - São considerados amadores, para efeitos de participação no ENART,
os candidatos que, eventualmente, tenham participado como integrantes de
grupos que se apresentam mediante remuneração e/ou participação de
gravações fonográficas, individuais ou coletivamente, observando-se o
prescrito no artigo 3º, e seus incisos."
O conceito universal de “amador” é de alguém que exerce determinada atividade
por puro gosto, sem remuneração. Ou alguém que exerce determinada atividade sem a
pretensão de atuar profissionalmente ou “viver” daquilo.
Pois temos que reconhecer distorções nos nossos conceitos e ideologia: nem
todos os que participam do Movimento o fazem de forma amadora. Há determinadas
atividades que se prestam ao profissionalismo. Há notícias de que existem narradores de
rodeios, gaiteiros e violeiros que atendem aos CTGs, Instrutores de danças tradicionais e
até alguns laçadores, que vivem exclusivamente dessas atividades, ou seja, atuam de
forma profissional.
Especificamente com relação ao ENART, os dirigentes do Movimento não
cansam de afirmar que o evento é “o maior evento artístico-cultural amador das Américas”.
Será verdade, no que concerne ao “amador”?
Essa situação é fruto do caminho que escolhemos e de algumas premissas que
esquecemos pelo caminho ao longo destes quase 70 anos de tradicionalismo gaúcho no
Brasil.
MECANISMO DISPONÍVEL PARA ALTERAÇÃO DO “STATUS QUO”
O MTG é uma entidade organizada como uma federação de CTGs (entidades
tradicionalistas) juridicamente constituídas e, portanto, com vida administrativa, jurídica e
associativa própria e independente.
Enquanto federação (associação), o MTG se divide em Regiões Tradicionalistas
que também possuem personalidade jurídica própria, mas diferentemente dos CTG que
são os filiados, aquelas são espaços de desconcentração territorial, com atividade
administrativa e associativa vinculadas à administração central.
A administração do Movimento possui características muito próprias e que tem
semelhança ao sistema parlamentarista de governo, uma vez que os associados (filiados) elegem dois conselhos para administração estadual: O Conselho Diretor, composto de 33
membros titulares e 16 suplentes e uma Junta Fiscal com três titulares e três suplentes.
Esses conselhos reunidos escolhem o presidente e os vice-presidentes. O Presidente do
Conselho Diretor é também denominado como Presidente do MTG.
As instâncias normativas e definidoras dos objetivos, metas, regras estatutárias e
regulamentares e que determinam o funcionamento geral da federação, são: o Congresso
Tradicionalista como instância superior e a Convenção Tradicionalista na condição de
instância inferior. O Conselho Diretor somente legisla de forma suplementar e “ad
referendum” da Convenção.
Isto posto, verificamos que as grandes mudanças somente podem ser definidas
no Congresso Tradicionalista, ficando as demais instâncias subordinadas às decisões
daquele, cabendo-lhes a regulamentação e a implementação do que a instância maior
definir.
O Congresso Tradicionalista equivale à assembleia geral. É integrado pelos
representantes das entidades filiadas e funciona com absoluta independência e autonomia,
tanto que o seu presidente, vice-presidente, relator e secretário são definidos pelo próprio,
na sessão de instalação.
É por esta razão que trouxemos para análise, avaliação e debate deste Congresso
Tradicionalista, realizado no ano em que iniciamos o segundo cinquentenário do
Movimento, estas reflexões que denominamos “reflexões necessárias - ideologia
do tradicionalismo gaúcho”.
Reafirmamos que nossa proposta tem objetivo de trazer à tona, ou fazer brilhar,
princípios e valores que foram alicerce da estruturação do Movimento, não é retorno ao
passado, mas projeção de futuro.
A partir dessas reflexões, os tradicionalistas, especialmente seus líderes,
poderão propor medidas que possam nos manter fortes, unidos e focados nos objetivos
definidos pela Carta de Princípios e consolidados nos estatutos sociais.
Bento Gonçalves, janeiro de 2017, 65º Congresso Tradicionalista Gaúcho.
MANOELITO CARLOS SAVARIS
CONSELHEIRO VAQUEANO DO MTG-RS
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