sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Estuda, tchê: Sociedade Colonial - Comandância de Rio Grande (Parte 3)

Comandância de Rio Grande

Os cristãos-novos portugueses Antônio e João da Costa mantinham casa de importação e exportação em Londres. Antônio viajou a Angola para inspecionar e receber as rendas do tráfico de escravos para o Brasil. Quando retornava, em 1726, um pirata partiu em seu encalço. Antônio da Costa rumou direto ao Brasil, entrando na perigosa barra do Rio Grande, pirata, por ter um navio maior não se atreveu entrar na barra. Costa percorreu a Laguna dos Patos, fazendo seu levantamento cartográfico. Ao retornar a Londres organizou com o irmão João uma companhia para colonizar a área junto à barra do Rio Grande com judeus perseguidos, contando com o apoio de acionistas e do Parlamento inglês, conforme contrato de 09.01.1735. Mas quando pretenderam navios de guerra para proteger os colonos judeus, o governo inglês não aceitou a proposta para evitar a guerra com seu aliado Portugal.

João da Costa, com o capital dos acionistas ingleses, em 1736 buscou entendimentos com o príncipe Cantimir, para organizar com acionistas russos uma nova companhia de colonização, junto ao canal de Rio Grande, entre terras de Espanha e Portugal, ótimo lugar para comércio.

Costa solicitou apoio da marinha russa. A czarina Ana Ivanovina negou ajuda porque estava em conquista territorial junto ao mar Negro e os russos não queriam abrir outra frente de guerra na Europa, dificultando a passagem de navios de guerra por Gibraltar e pelo mar Mediterrâneo. O governo inglês denunciou os planos de João da Costa a Portugal.

Em 1736 o conde de Sarzedas publicou o bando para atrair povoadores às terras do extremo sul, dando-lhes sesmarias e concedendo-lhes perdão por crimes ou faltas cometidas. Em 06.08.1736 foi criada a freguesia de São Pedro de Rio Grande, pertencente ao bispado do Rio de Janeiro, para justificar a posse da terra. Era necessário aproveitar o momento em que os espanhóis mantinham o cerco à Colônia do Sacramento e protegiam Montevidéu e Buenos Aires, não dispondo de mais tropas para um enfrentamento no canal de Rio Grande.

Em janeiro de 1737 Cristóvão Pereira de Abreu estabeleceu-se ao sul do canal de Rio Grande, com 180 homens e rebanho de gado, à espera da expedição do governador do Rio de Janeiro, José da Silva Pais, que entrou no canal do Rio Grande a 19.02.1737. A frota do governador era formada pela Galera Leão Dourado (Nossa Senhora de Nazaré), galera Bonita (Nossa Senhora das Mercês), bergantim Baixa Cadela (Nossa Senhora da Piedade), balandra D’el Rei Nossa Senhora da Conceição, a corvertinha São Francisco Xavier e a galera do porto Santa Ana, num total de 410 homens. A balandra Nossa Senhora da Conceição já estava no porto, porque fora enviada antes para carregar carne para a armada em operação no rio da Prata.

Uma das primeiras preocupações de Silva Pais foi a construção do forte Jesus, Maria e José. Em 02.03.1737 foi rezada a primeira missa na capela do forte. Em 12 de março, Sebastião Francisco Chaves era nomeado tenente das Ordenanças dos campos de Viamão.

A Comandância Militar do Continente de Rio Grande de São Pedro tinha como objetivos auxiliar a Colônia do Sacramento, povoar a região e regular as relações entre os diferentes elementos povoadores. O território da Comandância abrangia terras do litoral, desde os Campos de Viamão até o arroio Chuí. Na parte sul do Canal de Rio Grande, a Comandância era constituída por: a) povoados do Porto e do Estreito; b) presídios dos fortes de Jesus, Maria e José, de Santana e de São Miguel; c) guardas distribuídas nos passos; d) estâncias particulares; e) estância Rela do Bojuru e de Toroma; f) datas.

O povoado do porto, junto ao forte Jesus, Maria e José, era um conjunto de casas cobertas de palha, moradias de famílias de militares com seus escravos. O pequeno comércio atendia unicamente os habitantes, pois o porto era militar, não podendo entrar navios mercantes, até 1763. O outro povoado era o de Estreito, junto ao forte de Santana. Esse povoado, com invasão de cômoros de areia e com falta de água potável, deixou de existir em 1747, quando os moradores foram deslocados para o povoado do Porto, que recebeu o nome de vila do Rio Grande. A Câmara Municipal foi instalada em 1751.

Os proprietários, chamados de homens bons, escolhiam seis eleitores que se reuniam em três duplas para elaborarem listas com os nomes dos mais votados, colocando-as em separado e, três pelouros, colocados num saco e guardados num cofre com três chaves. No fim de cada três anos, uma criança retirava um pelouro, com a lista de vereadores e oficiais da Câmara. A câmara era formada por três vereadores, um procurador da Câmara, dois juízes ordinários e um juiz de órfãos, todos eleitos. Eram nomeados os almotáceis (fiscais), escrivão de órfãos, dois tabeliões, um distribuidor (contador), uma alcaide e um escrivão de alcaide. Por falta de pessoas capazes uma pessoa podia exercer mais de um cargo. A Câmara estava subordinada ao ouvidor e ao carregador da comarca. A Câmara tinha as funções de denunciar os crimes e contravenções; estabelecer o inventário e guarda dos bens dos órfãos e zelar por sua criação; sustentar e zelar pela criação de crianças abandonadas; elaborar as posturas municipais; traçar normas de funcionamento do comércio; fiscalizar as profissões, o ensino e as condições de higiene dos presos. A Câmara municipal possuía como rendas o arrendamento dos direitos de exploração de bens, de profissão, cobrança da sisa e de décima dos prédios urbanos.

No século XVIII o termo presídio designava a guarnição militar que ficava nos fortes. O primeiro contingente era formado por um comissário de mostras, um tesoureiro da Real Fazenda, um ajudante, três capitães, três alferes, sete sargentos, 90 infantes do Rio de Janeiro, 56 da Bahia, 37 dragões, 37 artilheiros e diversas praças, num total de 254 homens, além de marinheiros, civis e do comandante José da Silva Pais.

O forte Jesus, Maria e José ficava junto ao canal, perto do Porto. Era feito com muros de terra, circundado por vala. O forte de Santana estava mais ao sul, numa linha de trincheiras que cortava a península. O forte de São Miguel, o único construído de pedras de granito, guarnecia o extremo sul da lagoa Mirim, hoje em território uruguaio.

As guardas, distribuídas nos passos, cobravam pedágio das tropas de gado e prendiam desertores.

A partir de 1738 foram doadas 11 sesmarias para fazendas de criação de gado, voltadas para a exportação de couro e de sebo. Inicialmente os fazendeiros pilharam gado na Vacaria do Mar e das estâncias missioneiras para formar seus plantéis. Em 1738 a Vacaria do Mar não possuía mais gado, ocasionando a mudança dos índios minuanos das imediações da lagoa Mirim para o outro extremo, junto ao rio Uruguai.

O governo militar reservou a península ao norte do canal até Mostardas, para organizar a estância Real do Bojuru, para fornecimento de carne e montarias à guarnição da Comandância. Um sargento administrava estância Real do Bojuru, auxiliado por um capataz, peões negros e índios. Marcavam todos os animais com um corte na ponta da orelha. Assim, mesmo que se misturassem com o gado dos tropeiros, era fácil apartá-los na guarda de Mostardas ou de Tramandaí. Em 1749 os minuanos retornaram a Rio Grande, depois de batizados foram colocados como povoadores na estância do Bojuru. Na ilha de Torotoma organizou-se outra estância Real para abastecer a guarnição de São Miguel e a guarda do Chuí.

As datas eram lotes agrícolas de légua, doados às famílias chamadas de casais de número, que voluntariamente vinham povoar a Comandância do Continente de Rio Grande, terra distante com muito frio e areia jogada pelo vento, com perigo constante ao ataque dos castelhanos e dos índios das missões.

Formavam a população e a guarnição de Rio Grande pessoas das mais variadas procedências: portugueses, brasileiros de São Paulo, da Bahia, de Minas Gerais, de Pernambuco e do Rio de Janeiro, índios tupis de São Paulo, guaranis, fugidos das reduções, negros livres e escravos. Havia também espanhóis oriundos de Montevidéu, Santa Fé, Corrientes, Entre Rios e Paraguai que se empregavam como peões e domadores nas estâncias.

Por falta de mulheres brancas os soldados se uniam com índias e com escravas. O governo colonial enviou mozuelas (donzelas), retiradas de bordéis das vilas e cidades de outras capitanias e transformadas em noivas desembarcaram em Rio Grande onde casaram e constituíram família.

O governo militar instituiu uma rígida disciplina para governar população tão heterogênea. No entanto, tal rigidez ocultava a corrupção na administração da estância do Bojuru. Segundo informação do administrador, onças atacavam o gado, despedaçando o couro. Na realidade o gado estava sendo morto, a carcaça abandonada e o couro vendido para franceses em Maldonado ou Castilhos Grandes. Os soldados permaneciam vários meses de serviço, sendo obrigados a se recolherem à noite nos fortes; comiam abóbora com farinha, não recebiam soldo há 20 meses, qualquer falta era castigada com a polé ou com roda de pau, qualquer oficial confiscava dos soldados as montarias e arreios. Em 05.01.1742, os soldados do presídio do forte de Jesus, Maria e José se revoltaram e prenderam seus oficiais corruptos, mas continuaram prestando serviço de guarda. O vice-rei do Brasil enviou uma comissão que constatou o tratamento desumano dado pelos oficiais prepotentes. Transferiram os oficiais e perdoaram os soldados que receberam os direitos de irem para o lar depois do expediente diário, ter montarias e pescar nas horas de folga para auxiliar no sustento da família. A partir dessas reformas pararam as deserções.

Os navios que pretendiam entrar na barra davam tiros de canhão para alertar sobre sua aproximação, até que uma pequena embarcação com um prático guiasse à entrada da perigosa barra.

A provisão de 17.07.1747 elevou a povoação de Rio Grande à categoria de vila, mas sua Câmara Municipal só foi instalada em 16.12.1751, funcionando até a invasão espanhola em 1763.

Os moradores dos Campos de Viamão em 14.09.1741 receberam licença para erguerem uma capela a Nossa Senhora da Conceição, que foi elevada à freguesia em 07.11.1747, surgindo em seu torno uma pequena povoação, onde se instalou um corpo de guarda para cuidar da ordem.

Fonte: 
Livro História do Rio Grande do Sul
Moacyr Flores

Nenhum comentário:

Postar um comentário