sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Estuda, tchê: Sociedade Missioneira

Missão dos Carijós (1555-1640)

Em sua carta de 08.05.1558 o padre Manuel da Nóbrega referiu-se que a região dos índios carijós, litoral de Santa Catarina e nordeste do Rio Grande do Sul, fora visitada pelo padre Leonardo que encontrou os índios sem antropofagia e batizados por missionários franciscanos itinerantes, desde 1552.

No ano de 1555, os carijós mataram os missionários João de Souza e Pero Correia, revoltados pela ação dos pombeiro, como eram chamados os caçadores de índios. A União das Coroas Ibérica (1580-1640) facilitou o avanço luso-brasileiro para o sul, porque então não havia mais o meridiano de Tordesilhas, apenas um monarca reinava nos dois territórios.

A Companhia de Jesus tentou estabelecer a Missão dos carijós com os padres João Lobato e Jerônimo Rodrigues, que com sete índios partiram de Santos a 27.03.1605, chegando à região de Laguna a 11 de agosto, evangelizando os carijós por dois anos. A catequese foi dificultada pelo maioral indígena Tubarão, que capturava os índios para os pombeiros. Os dois missionários estabeleceram contatos com os arachãs na Laguna dos Patos, que não quiseram acompanhar os missionários a Santos. Os jesuítas retornaram a Santos levando 150 carijós, que lhes foram arrebatados e escravizados pelo capitão-mor.

Em 1609 os jesuítas Afonso Gago e João de Almeida partiram do Rio de Janeiro para região dos carijós, mas foram atacados pelos nativos e retornaram ao porto de origem. Nesse mesmo ano, jesuítas saíram de Assunção e entraram em Guairá, como veremos a seguir.

Houve nova tentativa com os missionários João de Almeida e João Fernandes na ilha de Santa Catarina, em 1617. Os missionários foram expulsos pelos escravistas luso-brasileiros. Os missionários contataram com o cacique Anjo, dos arachãs, junto ao rio Araranguá, depois retornaram ao Rio de Janeiro em 23.03.1619.

No ano de 1622 os padres Antônio de Araújo e João de Almeida chegaram às terras do morubixaba Caibi (Santo Antônio da Patrulha), que se mostrou hostil. Os padres recuaram até Laguna, de onde os pombeiros terminaram por expulsá-los.

Seguindo o projeto de colonização espanhola, o padre Roque Gonzáles de Santa Cruz atravessou o rio Uruguai para fundar a redução de São Nicolau, na região do Tape.

Os padres Inácio se Siqueira e Francisco de Morais, em 1635, acompanhados de carijós cristãos chegaram de patacho em laguna, onde encontraram 62 embarcações de pombeiros que planejavam capturar 1.300 índios. Os missionários encontraram a região despovoada, com os índios se escondendo no mato e passando fome, porque não podiam cultivar suas roças, com medo de serem escravizados.

Os inacianos Francisco de Morais e Francisco Bamba realizaram a última tentativa de evangelização, conseguindo reunir 200 carijós para as missões no Rio de Janeiro, mas foram atacados pelos escravistas que destruíram o barco dos missionários e apresaram os índios.

Portugal conseguiu sua restauração em 1640. O fim da União das Coroas Ibéricas terminou com o ciclo dos pombeiros paulistas na região sul e com as missões dos padres portugueses. Restavam as missões do outro lado do Meridiano de Tordesilhas, que pertenciam à Espanha.

Reduções de Guairá (1610-1628)

As terras de Guaíra ou Guairá ficavam a oeste do atual estado do Paraná, ocupadas por encomiendas e pelas cidades espanhola de Ciudad Real (1550), Villa Rica do Espírito Santo (1570) e Copacabana. Os índios encomendados prestavam serviço ao dono da terra, em troca de proteção e catequese.

Havia uma rota comercial por terra, seguindo antiga trilha indígena, desde São Vicente, subindo o planalto até São Paulo, seguindo por Villa Rica até Ciudad Real. Os espanhóis das duas últimas cidades serviam de intermediários na venda de índios para os paulistas, em troca de ferramentas, marmelada, açúcar, vinho e tecido. Esta rota seguia até Assunção, no Paraguai, continuando até a mina de prata de Potosi. Outra trilha seguia pelo rio Tietê e palo rio Iguatemi, de onde saía uma trilha para Assunção e outra para Cuiabá, continuando até Cuzco, no Peru, em busca de ouro. A terceira rota era pro mar, desde São Vicente até a ilha de Santa Catarina, passando para o continente e subindo a trilha dos índios, descendo o rio Iguaçú até próximo da sua foz, de onde partia uma trilha para atravessar o rio Paraná acima das Sete Quedas, terminando em Assunção.

Nestas rotas comerciais, a escravidão dos índios surgiu como negócio rendoso porque os holandeses atacaram e tomaram os entrepostos portugueses na Guiné e em Angola, controlando o tráfico negreiro. Durante a União Ibérica o indígena passou a substituir o negro nos engenhos da Bahia e da Baixada Fluminense. Como era proibido escravizá-los, a não ser em guerra justa, os índios chegavam a São Paulo rotulados de negros fugidos.

Depois que os paulistas liquidaram com a população nativa no litoral de Santa Catarina, as malocas, expedições paulistas de caça aos índios passaram a devastar a região de Guairá. Os índios se refugiaram nos matos. Os colonos espanhóis pediram ao bispo de Tucumã missionários para reunir os índios em reduções a fim de civilizá-los. Civilizar significa transmitir aos índios a fé cristã e valores da cultura Ibérica. Chamava-se de missão a ação de evangelizar os índios. A fim de que esta ação fosse contínua, os missionários reduziam os índios, isto é, confinavam os catecúmenos num determinado espaço, chamado de redução, aldeia ou pueblo. Erroneamente o termo pueblo foi traduzido como povo, quando o correto seria povoado.

Nas reduções os índios estavam a salvo dos encomendeiros espanhóis e das malocas paulistas, porque os jesuítas não entregavam os nativos para a escravidão. Os espanhóis escravizaram os indígenas para o trabalho escravo nos ervais nativos da Serra de Maracaju. Segundo o testemunho do padre Ruiz de Montoya, esse trabalho consumiu a vida de milhares de índios, que carregavam fardos superiores ao seu próprio peso, morrendo pelos maus tratos e pela falta de alimentos.

Em 1609 os jesuítas José Cataldino e Simão Masseta penetraram em Guairá e fundaram, em 1610, as reduções de Nossa Senhora de Loreto e de San Inácio. Mais 13 reduções surgiram entre os rios Tibaji e Iguaçú, de 1622 a 1629.

Interrompido o tráfico de escravos índios pela ação dos missionários jesuítas, os paulistas uniram-se em sociedade com venda de ações, para capturar indígenas em Guairá. Essas sociedades acionárias, organizadas na câmara de vereadores de São Paulo, receberam o nome de bandeira por causa da sua organização militar. O termo bandeira, hoje companhia, significava uma centena de homens que lutavam em fileiras e colunas, formando um quadrado. Três companhias formavam o terço (batalhão).

O novo governador do Paraguai, D. Luís de Céspedes e Xérias, desembarcou no Rio de Janeiro e casou com D. Ana Correia de Sá, que levou como dote engenhos na Baixada Fluminense. Sem escravos africanos para trabalhar nos engenhos, D. Luís tornou-se sócio da bandeira comandada pelo presidente da Câmara de São Paulo, Antônio Raposo Tavares. ES expedições em bandeira paulistas invadiram as reduções em 1628, contando com o apoio dos colonos espanhóis. As três cidades espanholas foram destruídas pelos paulistas.

Os nativos se revoltaram, instigados pelos xamãs que sempre foram inimigos dos missionários. Os paulistas levaram 18 mil cativos para São Paulo. Os padres Simão Masseta e Justo Mancilla seguiram a expedição em bandeira, recolhendo as crianças que os paulistas deixavam pelo caminho. Quando os sacerdotes entregaram as crianças no próximo acampamento, os paulistas ordenaram a chacina dos inocentes, para não atrasarem a marcha das mães. Das reduções de Guairá a São Paulo ficou em rastro de sangue. Era o juízo final para os índios.

Antes do ataque, o padre Ruiz de Montoya conseguiu reunir doze mil nativos e em mais de 700 balsas ou canoas, navegaram pelo rio Paranapanema e novas reduções de Nossa Senhora do Loreto e San Inácio. Este contingente de guaranis fugitivo viria mais tarde aumentar a demografia da região do Tapê.

Reduções do Tapê

As reduções do Uruguai ou do tape faziam parte do processo de fundação de missões a partir de Assunção em direção ao leste. O padre Roque Gonzáles de Santa Cruz atravessou o rio Paraná e fundou Encarnación de Itapúa em 1615, após ferrenha oposição dos xamãs. No mesmo ano, mais ao norte, fundou Corpus Christi. Finalmente Roque Gonzáles chegou à margem direita do rio Uruguai, estabelecendo a redução de Concepción. Por longos anos, o padre Roque tentou diversas vezes atravessar o rio Uruguai para converter os índios, mas os xamãs não permitiam porque não queriam perder suas posições de chefia e também porque não aceitavam as mudanças culturais impostas pelos missionários.

Uma epidemia grassou entre os guaranis do Tapê e os xamãs não tendo conseguido a cura, permitiram que Roque Gonzáles cruzasse o rio Uruguai, portanto a imagem de Nossa Senhora Conquistadora. O missionário iniciou a redução de São Nicolau junto ao rio Piratini. Na recém criada redução de São Francisco Xavier um xámã reagiu, expulsando o padre. Os índios missioneiros se rebelaram contra o profeta nativo, expulsando-o da comunidade. Em 1628 fundaram Assunção do Ijuí, Candelária e Todos os Santos do Caaró.

O feiticeiro Nheçu rebelou os índios porque os missionários condenavam a poligamia, a feitiçaria e o canibalismo. Nheçu dizia que as epidemias trazidas pelos brancos eram provenientes do batismo. Em 11.11.1628, depois da missa, Roque Gonzáles estava armando o sino num jirau quando foi abatido a golpes de itaiçá (tacape). O padre Afonso Rodrigues, ao sair da capela também foi trucidado. Os rebeldes chegaram à redução de Assunção do Ijuí em 17.11.1628 e martirizaram o padre João Del Castillo. Índios cristãos a Caaró, mas não encontraram os revoltosos. De Concepción, comandados por Neenguiru e pelo irmão jesuíta Antônio Bernal, desbarataram as forças de Nheçu em Pirapó, no rio Ijuí. O português Manoel Cabra Alpoim, com estência junto a Corrientes, acorreu com sete espanhóis e 200 guaranis das reduções franciscanas. Em Candelária realizou-se o combate final, com a destruição das hordas infiéis e enforcamento dos principais chefes.

Expedições em bandeira no Tapê


Em 1634 o padre Cristóbal de Mendoza introduziu o gado no Tapê para criação extensiva com rebanhos comprados de Manoel Cabral Alpoim. Com os boatos de que expedições em bandeira percorriam o Planalto Meridional, o padre Cristóbal de Mendoza partiu com índios armados para descobrir a força paulista. Os índios jês atacaram e martirizaram o padre Mendoza porque ele entrou armado em Íbia, campo de caça, a 25.04.1635.

No fim do ano de 1636, novo flagelo se abateu sobre os missioneiros, quando a bandeira de Antônio Raposo Tavares capturou os índios das reduções de Jesus Maria, São Cristóvão e São Joaquim. Em 1637 o paulista André Fernandes capturou os habitantes das reduções do vale do rio Ijuí. No ano de 1638, Fernão Dias Pais percorreu o vale do rio Ibicuí, aprisionando índios missioneiros. No mesmo ano, os resistiram em Caasapaguaçú, desbaratando a expedição de Pascoal Leite Pais. Os jesuítas retiraram os índios para a outra margem do rio Uruguai e conduziam o gado para sul do rio Jacuí. Em 1641 Manoel Pires desceu com sua expedição o rio Uruguai, mas caiu na armadilha de Mbororê, retornando derrotado e humilhado para São Paulo.

Os paulistas, chamados hoje de bandeirantes, capturavam índios das reduções porque eles eram mão-de-obra especializada, pois conheciam técnicas agrícolas e alguma profissão como carpinteiro, marceneiro, oleiros, tecelões, ferreiros e pedreiros. Com a restauração de Portugal em 1640, o meridiano de Tordesilhas passou a ter validade. Transpô-lo seria invadir o território de outro rei, por isso os chamados bandeirantes encerraram a caça ao índio na região sul. A expulsão dos holandeses de Angola reativou o tráfico negreiro para o Brasil.

Vacaria do Mar

Há várias teorias sobre a introdução do gado no Rio Grande do Sul. Um corrente defende que o gado era originário dos pequenos rebanhos deixados por Hernandárias, em 1611 e em 1617, junto à foz do Rio Negro, afluente do rio Uruguai. Os charruas comeram esse gado, pois quando a Colônia do santíssimo Sacramento foi fundada em 1680, só havia bovinos na Vacaria do Mar.

Outra corrente afirma que Francisco Naper de Alencastro introduziu o gado em 1691, mas antes dessa data já há informações sobre o gado no Rio Grande do Sul.

A terceira corrente é missioneira. Em 1628 há dados sobre gado vacum nas reduções. Em 1633 registra-se em pequeno número nos povoados missioneiros. Em 1634 o padre Cristóbal de Mendoza introduziu o gado vacum em grande escala para as estâncias junto às reduções.

Quando as expedições em bandeira devastaram as reduções, os jesuítas transferiram o gado para o sul do rio Jacuí, livrando-os da pilhagem por paulistas. Nessa região, com boa pastagem e aguada, formou-se a Vacaria do Mar, de onde o gado era retirado para alimentar os índios das reduções da margem direita do rio Uruguai.

Espanhóis e portugueses descobriram a Vacaria do Mar e passaram a abater os animais para tirar o couro e o sebo, bem como levando tropas para São Paulo e para as fazendas de criação nos Campos de Viamão e na região entre o canal de Rio Grande e o arroio Chuí. Em 1739 não havia mais gado na Vacaria do Mar.

Sete Povos

A fundação da Colônia do Santíssimo Sacramento no rio da Prata provocou a reação do governo espanhol para deter o avanço luso-brasileiro pelo litoral Sul. A colonização espanhola realizava-se por pueblos (povoados), por falta de homens brancos disponíveis o governo espanhol concedeu aos missionários da Companhia de Jesus licença para a fundação de pueblos com índios cristãos que assim tornavam súditos do rei da Espanha. Em 1682, com o início da redução de (São Francisco de Borja, São Luiz Gonzaga, São Lourenço, São Miguel Arcanjo, São Nicolau, São João Batista e Santo Ângelo).

Os Sete Povos organizaram-se à semelhança dos povoados espanhóis, com uma praça central tendo em volta as diferentes edificações.

A praça era um espaço cívico-religioso com uma cruz latina em cada canto, tendo também uma coluna com o orago do povoado.

Aos domingos e dias santificados os índios realizavam procissão, jogos, danças e teatro na praça.

Em um dos lados da praça erguia-se o complexo formado pela igreja, residência doa padres, colégio, oficinas, cemitério, cotiguaçu e horta. A igreja de São Miguel Arcanjo foi construída em pedra grés, em estilo barroco italiano, com três naves, altar-mor e altares laterais com retábulos e imagens de madeira. Não existiam bancos. Os homens ficavam num lado e as mulheres em outro. Alcaides munidos de vara fiscalizavam para que não ouvesse olhares entre homens e mulheres. Durante a missa o coro e meninos cantava, enquanto outros meninos dançavam à maneira medieval, o que agradava aos índios porque era dançando que eles rezavam antigamente. Na saída da missa os adultos recebiam a ração diária de erva-mate. Depois da refeição noturna, a comunidade se reunia na igreja para orar.

No cemitério havia uma pequena capela e túmulos onde os índios eram enterrados a maneira cristã. As mulheres viúvas e solteiras viviam recolhidas no cotiguaçú, numa construção quadrada com vários aposentos em torno de um pátio, ao lado do cemitério. As recolhidas costuravam, teciam e elaboravam rendas.

Do outro lado do templo ficava o colégio ou claustro, com salas de aula, refeitório, cozinha e no andar superior a residência dos padres e irmãos jesuítas. As salas de aulas tinham portas para o pátio interno e para a horta. Meninos selecionados eram alfabetizados, aprendiam música, doutrina religiosa, práticas de agricultura e técnicas artesanais.

O pátio das oficinas abrigava uma série de construções onde trabalhavam os artesãos: tecelões, carpinteiros, escultores e fabricantes de intsrumentos musicais.

Atrás desse complexo ficava a horta e pomar, trabalhados pelos meninos do colégio. O produto da hosta alimentava os estudantes, os padres, as mulheres do cotiguaçú, os doentes do hospital e os artesãos.

Nesta segunda fase das reduções, as habitações dos missioneiros eram semelhantes à primitiva casa indígena que abrigava indivíduos do mesmo clã. Cada bloco estava dividido em vários cômodos, conforme o número de famílias sob a responsabilidade de um cacique, que distribuía os alimentos e as tarefas diárias. Em frente do bloco corria uma calçada coberta por alpendre sustentado por pilares. Nesse local as mulheres teciam e ficavam cuidando das crianças. Cada cômodo tinha janela e porta para o lado da calçada e apenas uma porta no lado oposto, sem calçada e coberto por telheiro, onde as mulheres cozinhavam. No interior das peças havia redes para a mulher, as crianças dormiam em esteiras. No centro do quarto ardia o fogo para espantar os insetos e aquecer o ambiente. Animais domésticos viviam dentro da peça, deixando o chão sujo e mal cheiroso.

No povoado ainda existia o hospital, atendido pelas mulheres do cotiguaçú, um rancho para os viajantes, depósito para produtos agrícolas, cabildo, capelas, moinho e olaria. A dois quilômetros do pueblo de São Miguel Arcanjo ficava o sistema hidráulico com fonte, açude revestido de pedra e canais de irrigação. A água era elevada por um sistema de roda e conduzida por canaletes até o povoado onde jorravam em pias de pedra.

Cada povoado missioneiro possuía seus ervais nativos, onde missioneiros coletavam e preparavam a erva-mate para a comunidade. Nas estâncias praticavam a pecuária extensiva. Cada estância possuía capelas e ranchos de índios em cada passo de riacho para evitar a fuga do gado. Ao longo da trilha da sede da estância do povoado, existiam mangueiras de pedra para abrigar o gado no fim de cada jornada. Junto ao povoado construíam o curral, onde recolhiam os bois de lavrar, os de carreta, as ovelhas, os cavalos e os bois para a alimentação.

As lavouras dividiam-se em abambaé (coisas de homens) e tupambaé (coisas do céu). Nas reduções da Província Jesuítica do Paraguai o lote de cada família do amambaé era distribuído pelos caciques. A produção pertencia à família, mas era guardada no depósito por causa da imprevidência dos guaranis. Diariamente cada cacique distribuía a ração das famílias pelas quais era responsável. A lavoura da terra do comum, costume medieval e constante nas Ordenações do Reino, foi introduzida pelos missionários para socorrer as famílias que perdessem sua colheita ou um povoado que tivesse as plantações destruídas por granizo ou por gafanhotos. Cada índio era obrigado trabalhar por dois dias por semana no tupambaé. Nos dois tipos de lavouras plantavam mandioca, milho, batata-doce, amendoim, feijão, abóbora, algodão e algum trigo para a confecção da hóstia.

Os missionários cuidavam do espiritual e do temporal, auxiliados pelos caciques e cabildantes. O cabildo era a câmara municipal que existia em todos os povoados espanhóis, tendo como objetivos administrar o núcleo urbano e fazer justiça.

Faziam parte do cabildo o corregedor, o tenente de corregedor, os alcaides de primeiro e de segundo voto, o alferes real, quatro regedores, o alguacil maior, o alcaide da irmandade, o procurador, o fiscal e escrivão, todos eleitos anualmente pelos cabildantes cessantes. Eram indicados os funcionários, os mordomos, os contadores e os armazenistas.

Cultura Missioneira

Há uma dificuldade inicial de estabelecer as relações sociais através das narrativas dos missionários jesuítas que se fixaram no processo de evangelização, nem sempre percebendo os hábitos da vida cotidiana nos guaranis, geralmente ocultos aos olhos de um estranho, pois o espaço doméstico estava regulado por rígidos princípios que ocultavam as relações sociais. Os missionários transformaram a redução numa sociedade sacral, em que os rituais religiosos marcavam cada momento da vida cotidiana, em que os valores cristãos se sobrepunham aos valores indígenas num confronto ou combinação que modificaram a vida material e espiritual dos guaranis.

Os clãs indígenas não foram dispersos, mas agrupados nos blocos de habitações com seus caciques. Até a forma do bloco correspondia à casa do clã indígena. Os milicianos guaranis não ficavam em quartéis, mas com suas famílias. A agricultura manteve o trabalho em grupo, sem ser coletiva. Os índios conheciam ervas medicinais, mas como os pajés curavam com magia, os padres admitiam apenas o uso de chás pelos curujás, os portadores de cruz.

O padre cura e padre companheiro (coadjutor) evangelizavam e administravam cada povoado, auxiliados por irmãos (fráter) que ensinavam as profissões.

A adoção do idioma guarani aproximou os sacerdotes dos nativos, mas isolou as reduções dos colonos ibéricos. O uso do chimarrão combateu a embriaguez. Os missioneiros também permitiram o uso do fumo que deixou de fazer parte do ritual indígena. A grande mudança foi o estabelecimento do trabalho metódico e as proibições de poligamia, de troca de mulher por objetos, de canibalismo e de magia. Os jesuítas, como humanistas, trataram os índios como gente e não como escravo, como fazia o encomendeiro espanhol, principal inimigo das reduções.

As reduções jesuíticas dos guaranis floresceram durante o período barroco, que trazia uma nova visão de universo em movimento, graças as obras de Copérnico e de Galileu.

Os primeiros mestres de música foram os padres João Vaisseau, Cláudio Ruyer e o irmão Luís Berger. O padre Antônio Sepp (1655 – 1733) que chegou ao Paraguai em 1691, trouxe inovações musicais, diversos instrumentos e uma pequena harpa, cujo modelo ainda hoje é tocado no Paraguai. O padre Sepp criou uma escola de músicos em Japeju, depois fundou a redução de São João Batista. Era músico, escultor e pintor. Também construía instrumentos musicais. As cartas do padre Sepp a seus familiares foram publicadas com o título “Trabalhos Apostólicos”. O genial músico Domenico Zípoli (1688 – 1726) era organista e compositor em Roma quando ingressou na Companhia de Jesus e se mudou para Córdoba, Argentina. Sua música sacra difundiu-se pelas igrejas de América Espanhola e do Brasil.

Os irmãos Bernardo Rodriguez e Luís Berger decoraram e pintaram tetos, retábulos e quadros de várias igrejas. O irmão José Brasanelli (1659 – 1728) era pintor, escultor e cirurgião. Brasanelli esculpiu as imagens em madeira de São Luís Gonzaga e de São Francisco de Borja. João Batista Prímoli (1673 – 1747) é autor do projeto da igreja da São Miguel e de igrejas dos Jesuítas em Córdoba e Buenos Aires.

O padre Boaventura Suarez elaborou um Lunário, almanaque que permitia acompanhar todas as fases da lua durante um século. O padre Antônio Ruiz de Montoya escreveu o livro Conquista Espiritual, em que relata seus trabalhos apostólicos e o cotidiano nas reduções. O padre Juan de Escandón organizou a história da Transmigração dos Sete Povos, em decorrência do Tratado de Madri. O padre José Cardiel preparou seu compêndio de História do Paraguai, em 1780.

Os índios também escreveram licros religiosos como o cacique Nicolau Yapuguai, Explicación de Catechismo e Sermones y Exemplos, em língua guarani. Cartas, orações e descrições de combates escritas pelos índios perderam-se na poeira dos tempos.

A expulsão dos jesuítas, ordenada em 1767, marcou a decadência das reduções. A administração espanhola e depois a invasão luso-brasileira, em 1801, provocou uma ruptura cultural. O guarani deixou de ser falado na área rural rio-grandense em fins do século XIX.

Os missionários jesuítas usaram a arte como instrumento didático de evangelização.

Fonte: 
Livro História do Rio Grande do Sul
Moacyr Flores

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