sábado, 31 de dezembro de 2016

Estuda, tchê: Muckers

O episódio dos Muckers classifica-se como movimento messiânico, porque sua líder Jacobina Mentz Mauer apresentava-se como reencarnação de Cristo, prometendo criar a cidade de Deus para seus eleitos. Quando menina, Jacobina era sensível, entrando em transe e sofrendo desmaios ao ser repreendida por sua severa mãe. Seu avô, Libório Mentz, que era um pregador místico da seita pietista, fora expulso de sua aldeia na Alemanha. Jacobina, criada numa atmosfera de exagerada disciplina religiosa, desenvolveu seu êxtase místico. Hoje certamente ela seria considerada como médium, tanto na umbanda como no espiritismo.

Jacobina casou em 1866 com João Mauer, carpinteiro e curandeiro. A fama de Mauer se esparramou na colônia de São Leopoldo. Jacobina auxiliava o marido, diagnosticando doenças quando entrava em transe.

Os colonos, principalmente os protestantes, reuniam-se aos domingos na casa de Mauer, no sopé do morro Ferrabrás (hoje município de Sapiranga), para tratar de suas doenças e encomendar serviços de carpintaria. Jacobina aproveitava a ocasião para ler e interpretar a Bíblia, entoando cânticos sacros. Surgiu assim a comunidade religiosa que, em 1868, o pastor de Dois Irmãos, João Brutschin apelidou de Mucker, que significa santarrão, falso religioso. Os adversários da seita foram denominados de Spötter, debochadores.

No dia de Pentecostes, a 19.05.1872, estando reunidos os fanáticos, Jacobina recolheu-se ao quarto. Ouviu-se um estouro e quando as pessoas entraram viram apenas as roupas da profetisa na cama. Todos se retiraram para a sala a cantar. Ouviu-se novo estrondo e Jacobina apareceu vestida de branco, dizendo que estivera no céu. João Jorge Klein, que dizia ser pastor, ajoelhou-se reconhecendo-a como Cristo. Ela escolheu seus apóstolos, que deveriam obedecer e vigiar os companheiros.

Filipe Sehn, que assistira à sessão, redigiu junto com o professor Weiss, um requerimento ao delegado de polícia, com 47 assinaturas, solicitando intervenção policial para repor a ordem e a tranquilidade na colônia. Os colonos achavam que a ordem fora quebrada porque os Muckers não fumavam, não bebiam e não iam a bailes, comportamentos diferentes dos demais colonos germânicos.

A situação agravou-se quando os fanáticos retiraram seus filhos das escolas comunitárias católicas e protestantes. Há também uma intriga política a ser considerada: o delegado Lúcio Schreiner queria os votos de Mauer e seus adeptos. Maurer negou-se a participar das eleições, que na época não eram obrigatórias.

A polícia prendeu Maurer e depois Jacobina, que estava em transe. Em São Leopoldo nem o médico conseguiu despertá-la, só os cânticos dos fiéis a acordaram. O casal Mentz Mauer e Jacó das Mulas foram remetidos presos a Porto Alegre. A polícia proibiu reunião da seita. O Presidente da Província considerou que não havia crime político, mas apenas brigas de vizinhos, sendo assunto para a polícia local. Os três retomaram à colônia para o júbilo dos fanáticos que se armaram e construíram uma casa de alvenaria, impropriamente denominada de fortaleza.

Os ânimos tornaram-se mais tensos, com os fanáticos acreditando que estavam protegidos por Cristo, isto é, por Jacobina. A culpa de tudo que acontecia de ruim nas comunidades católica e protestante era jogada sobre os Muckers. O inspetor João Lehn sofreu atentado à bala e as autoridades de São Leopoldo, com escolta de soldados, prenderam 33 Muckers, menos Jacobina, porque ela caiu em transe e não havia carroça para transportá-la. Da capital veio ordem para libertar os fanáticos. Enquanto os companheiros estavam presos, os demais muckers enviaram um memorial a D. Pedro II, contando as perseguições que sofriam. O imperador mandou o memorial ao Presidente da Província e este, ao delegado de São Leopoldo que continuou a hostilizar os fanáticos.

Os Muckers passaram a agir com violência. A casa de Martinho Kassel, ex-mucker, foi incendiada, morrendo a mulher e filhos. Depois foi à casa do comerciante Carlos Brennerm com assassinato de crianças. Os Muckers atacaram e incendiaram as vendas de Filipe Klein e de Jacó Schimidt, passaram pela casa de Clemente Klay, matando-o e queimando o galpão. Na mesma noite foram à casa de um tio de Mauer, que não queria entrar na seita, liquidando-o e a seu irmão. Na Picada Nova, oito muckers atacaram o comerciante e inspetor de quarteirão Miguel Fritsch, depois o comerciante João Daniel Kolling. Os moradores se reuniram em perseguição aos assassinos que foram atacados na travessia do rio Cadeia, morrendo um colono e um fanático.

Em 28.06.1874, o coronel Genuíno Sampaio chegou com 100 soldados à venda de Pedro Serrano, esperando que os fanáticos se entregassem, assustados ao verem os soldados marchando. Da venda de Pedro Serrano partiam duas estradas contornando a mata e se encontrando em frente do reduto dos fanáticos, no sopé do morro Farrabrás. A infantaria seguiu pela estrada da direita, enquanto a artilharia marchava pela esquerda, tentando um envolvimento dos muckers.

A infantaria, comandada pelo coronel Sampaio, deu em campo lavrado, onde os soldados perderam a formação. Os muckers, dissimulados atrás de troncos das árvores, atiraram nos soldados que formavam alvos perfeitos com seus casacos vermelhos contra o fundo verde da vegetação. Só então o coronel Sampaio descobriu que os soldados eram recrutas e não sabiam atirar. A artilharia também atolou em terreno lavrado, quebrando os reparos das peças. Os soldados tiveram 39 baixas, enquanto os fanáticos tiveram apenas 6, realizando-se a profecia de Jacobina que ninguém morreria, desde que cresse nela.

A 18.07.1874, Genuíno Sampaio comandou o segundo ataque, seguindo o mesmo plano. Os canhões novamente silenciaram por falta de solidez do terreno. Os artilheiros, comandados pelo capitão Dantas, avançaram e cercaram a casa que ardia em chamas. Os revoltosos preferiam morrer a se entregar, pois Jacobina prometeu que ressuscitariam. Os artilheiros entraram na casa, tentando salvar as mulheres e crianças. Morreram 16 muckers, que foram sepultados em vala comum. Durante o ataque, Jacobina conseguiu fugir com alguns adeptos para o morro Ferrabrás.

O coronel Genuíno mais uma vez subestimou os adversários e não levou serviço médico, os feridos não tinham nem ataduras. A noite, dentro de sua barraca, Genuíno levou um tiro na região glútea. Os oficiais resolveram esperar o amanhecer para conduzir o comandante com segurança para São Leopoldo. Ao amanhecer, Genuíno Sampaio estava morto por hemorragia.

O novo comandante, coronel Augusto César da Silva destacou 50 soldados para atacar o Ferrabrás. No dia 21.07.1874, depois de duas horas de combate, os soldados bateram em retirada. Quatro dias depois, 50 colonos tentaram subir o morro e foram derrotados. O capitão Dantas deu instrução de tiro a 150 soldados em São Leopoldo e ordens para atingirem as túnicas de verde.

Em toda seita religiosa sempre há o Judas. Na dos muckers foi Carlos Luppa que se apresentou ao delegado de polícia em São Leopoldo, para guiar os soldados até o reduto dos fanáticos no morro do Ferrabrás, em troca da diminuição de sua pena.

Na madrugada de 02.08.1874 o traidor conduziu os colonos por trás do morro, matando duas sentinelas, até a cabana onde se abrigavam Jacobina e 16 fiéis. Morreram todos os muckers com o violento tiroteio.

O sofrimento dos muckers sobreviventes ainda continuaria. Durante oito anos penaram de prisão, sofrendo humilhações, não conseguindo a reunião de um tribunal de júri disposto a julgá-los. Depois de perdoados e soltos, continuaram vítimas de perseguições dos colonos amedrontados e rancorosos.

Em 1902, na Terra dos Bastos, o colono Alvino Schröder deixou a mulher em casa com os filhos e foi ao baile com a empregada, retornando mais tarde para ver a família. Depois voltou ao baile apavorado e gritando que toda a família fora morta pelos muckers que moravam ali perto. Os colonos atacaram as casas de Jacó Graegin, Filipe Noé e Luís Kunzel, massacrando as famílias indefesas.

Mais tarde a empregada e amante de Albino Schröder, atormentada pelo remorso, confessou que fora ela quem assassinou a mulher e os filhos, jogando a culpa nos vizinhos muckers.

Por que os colonos esqueceram os princípios cristãos e mataram em nome da religião?

O padre Ambrose Schupp, narrando o episódio em forma de novela, sem analisar o contexto histórico em que se inseria a colônia, considerou como causa do surgimento da seita a falta de instrução e de assistência espiritual. Leopoldo Petry classificou o movimento como revolta contra a arbitrariedade de órgãos policiais. Klaus Becker considerou Jacobina como doente mental e o pastor João Jorge Klein como homem fracassado que muito influiu na seita. Olyntho Sanmartin, baseado em relatório do capitão Dantas, narrou os fatos militares contra o reduto dos fanáticos. Janaína Amado estudou as estruturas sociais através dos meios de produção, caracterizando o movimento como luta de classes entre os colonos e os donos dos minifúndios. Moacyr Domingues, utilizando farta documentação, estabeleceu uma narrativa de fatos dentro do contexto colonial. Fidélis Dalcin Barbosa também apresentou uma narrativa novelesca, em estilo simples, apoiando-se nos autores anteriormente citados. O romancista Josué Guimarães usou o episódio do Ferrabrás como pano de fundo para seu romance A Ferro e Fogo. Arthur Rabuske analisou a obra do padre Schupp em vários artigos no suplemento literário do Correio do Povo. Finalmente, o cineasta Bodanski realizou um filme maravilhoso como arte cinematográfica, mas deturpou a história com mensagens ideológicas seguindo o materialismo histórico. A paixão de Jacobina, do diretor Flávio Barreto, com Letícia Sppiler no papel-título, é mais uma criação artística cinematográfica que se afasta da realidade.

Não podemos esquecer que a intolerância religiosa entre os diferentes ramos do cristianismo, com raízes na Europa, encontrou terreno fértil na colônia, graças à falta de habilidade das autoridades.

Católicos, protestantes e muckers não souberam argumentar com reciprocidade, apenas impuseram seus princípios com violência, ocasionando a destruição do grupo menor que pretendia alcançar seus objetivos, sem refletir sobre os meios, sacrificando pessoas em nome de uma utopia religiosa.

Deve-se acreditar na pessoa tal qual ela é.

Fonte: 
Livro História do Rio Grande do Sul
Moacyr Flores

2 comentários:

  1. Bom, o comunismo que surgiu a tantos anos,alcançou tantas nações e também causou guerras e mortes incluindo o holocausto Russo,sendo também um movimento intelectual fanático, era e é até hoje, um movimento ateísta apesar de seus seguidores negarem q o são. Fanatismo não é aplicado apenas a religiosos.

    ResponderExcluir
  2. Bom, o comunismo que surgiu a tantos anos,alcançou tantas nações e também causou guerras e mortes incluindo o holocausto Russo,sendo também um movimento intelectual fanático, era e é até hoje, um movimento ateísta apesar de seus seguidores negarem q o são. Fanatismo não é aplicado apenas a religiosos.

    ResponderExcluir